"Membros do MPLA já se exilaram no Congo", diz ex-refugiado
António Cascais
15 de novembro de 2018
Human Rights Watch lançou apelo ao Governo angolano, após a expulsão de mais de 400 mil congoleses do país em outubro. À DW, Teka Ntu, líder do movimento ARDA, lembra que José Eduardo dos Santos já se exilou em Kinshasa.
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A organização não governamental Human Rights Watch defendeu, esta quinta-feira (15.11), a suspensão imediata da deportação dos refugiados da República Democrática do Congo (RDC) e o início de uma investigação aos alegados abusos por parte das forças de segurança angolanas.
"O Governo angolano deve imediatamente suspender a deportação de refugiados da RDCongo e levar a cabo uma investigação rápida e imparcial sobre os alegados abusos das forças de segurança do Estado", lê-se no comunicado divulgado em Joanesburgo.
A DW África abordou o assunto com o cidadão angolano residente na Alemanha, Teka Ntu, que no início do corrente ano fundou um novo movimento político - "ARDA" - Ação de Reforço da Democratização de Angola". Teka Ntu é um ex-refugiado angolano no ex-Zaire, hoje República Democrática do Congo, e por isso sabe o que significa ser refugiado, pois sofreu-o "na pele". Hoje olha com muita pena para a situação dos cidadãos congoleses expulsos de Angola.
DW África: O Teka Ntu também esteve refugiado com a família no antigo Zaire de Mobutu Sese Seko, durante a guerra civil angolana. Certo?
Teka Ntu (TN): Eu sou filho de refugiados angolanos no Congo e sei que essa expulsão foi muito difícil para os nossos vizinhos.
"Membros do MPLA já se exilaram no Congo", lembra ex-refugiado
DW África: Há um grande preconceito em Angola em relação aos zairenses, aos chamados langas. De onde vem esse preconceito?
TN: Começou com a independência de Angola. Os meus pais estavam no Congo como refugiados. Quando regressámos para Angola, também fomos chamados de zairenses, langas, tantos nomes...
DW África: É caso para dizer que a memória dos dirigentes angolanos é curta porque muitos deles, no tempo em que foi necessário, se refugiaram no Congo. Não é assim?
TN: É mesmo. No tempo da guerra de libertação, a maioria dos dirigentes do MPLA estava no exílio no Congo Brazavile, no Congo-Kinshasa. Opróprio José Eduardo dos Santos estava mesmo em Kinshasa. Então, porque é que estão a deixar que a população continue com esta questão tribal de separatismo, se os próprios dirigentes do MPLA, que viveram naqueles países, falam lingala? O que é pior ainda em Angola é que quem fala a língua lingala é diretamente considerado como zairense. É uma situação que tem de ser mesmo esclarecida por parte do governo angolano.
DW África:É há um especial preconceito do MPLA ou dos adeptos do MPLA em relação aos congoleses? De onde vem este preconceito?
TN: Este problema foi mais fomentado através da guerra de libertação, onde o MPLA tinha problemas sérios com a FNLA, que era um partido Bakongo. Fomentou-se essa discriminação que acontece até hoje no nosso país.
DW África: O que estará por trás desta expulsão em massa? O Governo angolano quer desviar as atenções dos angolanos de outros problemas mais prementes?
TN: O nosso Presidente da República quando entrou no poder [disse] que a primeira coisa a fazer era a luta contra os ditos corruptos. Começou com a luta contra a corrupção e, de repente, estamos a ver a luta contra a sua própria população.
DW África:Os congoleses agora expulsos para o Congo são de facto congoleses ou haverá entre eles muitos angolanos? Será fácil distinguir entre uns e outros?
TN: Não é tão fácil. Com certeza o Governo angolano está com grandes dificuldades em identificar os verdadeiros angolanos e congoleses. Estão a identificar essas pessoas através da língua lingala, o que não é justo, porque muitos de nós falamos a língua lingala.
DW África:Angola já foi um país que emitiu muitos refugiados para os países vizinhos e por isso esperava-se mais compreensão do Governo angolano...
TN: Antes da independência, houve milhões e milhões de angolanos que se refugiaram na Namíbia, na África do Sul, no Congo Brazavile e no Congo Kinshasa. O Governo angolano tinha a obrigação de criar os mecanismos suficientes para que esse povo pudesse registar-se como refugiado congolês em Angola.
Congoleses em fuga de Angola: RDC promete retaliação
Mais de 270 mil congoleses foram obrigados a abandonar Angola. Em retaliação, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês deu dois meses aos angolanos ilegais para abandonarem a RDC. ACNUR teme nova crise humanitária.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Ao ritmo de 1.000 imigrantes por hora
Imigrantes congoleses chegam à localidade fronteiriça de Kamako, já do lado da República Democrática do Congo (RDC), ao ritmo de 1.000 pessoas por hora. Mais de 270 mil imigrantes ilegais congoleses foram obrigados a abandonar Angola, após um decreto do Presidente João Lourenço que visa acabar com a imigração ilegal no país, sobretudo nas regiões diamantíferas das Lundas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
RDC promete retaliação
O Governo em Kinshasa utiliza o termo "expulsos" quando se refere aos imigrantes que Angola diz estarem a "sair de forma voluntária" do país. Como represália, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês definiu um prazo de dois meses para que todos os angolanos em situação irregular saiam da RDC. A tensão levou os Governos e representações diplomáticas dos dois países a iniciarem conversações.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Detidos com documentos angolanos falsos
Em colaboração com o ACNUR e com organizações não-governamentais, as autoridades congolesas estão a vigiar a pente fino as entradas no país. Entre os cidadãos obrigados a abandonar Angola, há portadores de documentação da nação vizinha. Porém, o porta-voz da "Operação Transparência" anunciou a detenção de imigrantes com "documentos angolanos falsos" que serão julgados em Luanda.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Congoleses dedicavam-se ao garimpo ilegal
O comandante da Polícia Nacional de Angola, António Bernardo, garante que os imigrantes que estão a abandonar o país "não se coíbem de dizer" que se deslocaram para Angola "para ganhar dinheiro na exploração ilegal de diamantes". Com o encerramento das cooperativas e casas ilegais de venda e compra de pedras preciosas, "os imigrantes decidiram voluntariamente sair do país", diz o responsável.
Foto: Reuters/G. Paravicini
ACNUR não confirma mortes
Apesar das denúncias de mortes e maus-tratos perpetrados por agentes da Polícia Nacional de Angola, no âmbito da "Operação Transparência", o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) não confirma essas informações "por falta de dados". Philippa Candler, representante do ACNUR em Angola, diz que os imigrantes estão a sair de Angola pelo próprio pé, mas sob pressão do Governo.
Foto: Omotola Akindipe
Cerca de 35 mil refugiados legais em Angola
Dados do ACNUR indicam que há 35 mil refugiados legais em Angola. Estão, sobretudo, na Lunda Norte, inseridos num assentamento em Lóvua ou distribuídos pelas povoações. No entanto, a ONU denunciou a expulsão de 50 migrantes com estatuto de refugiados. O ACNUR está a verificar a informação. A escalada do conflito tribal no Kasai levou milhares de congoleses a procurar refúgio fora de portas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
A pé ou à boleia de motorizadas e bicicletas
Os migrantes congoleses que estão em viagem de regresso ao país de origem escolheram vários meios para fazê-lo. Alguns aceitaram a ajuda do Governo angolano que disponibilizou camiões para transportar os congoleses até à fonteira. Outros preferem fazê-lo pelo próprio pé ou socorrendo-se de bicicletas e motorizadas. Consigo carregam os seus pertences.
Foto: Reuters/G. Paravicini
De regresso às antigas rotinas
Ainda em viagem, mulheres e crianças lavam roupas nas margens do rio junto à localidade de Kamako, na província de Kasai. O objetivo é regressarem às suas povoações outrora ameaçadas ou reiniciarem uma nova vida longe da sua última morada na RDC. No entanto, a situação nesta província congolesa é instável. A falta de infraestruturas está também a preocupar as Nações Unidas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Nova crise humanitária iminente
A ONU expressou preocupação sobre a saída forçada de Angola nas últimas semanas de centenas de milhares de cidadãos. Para as Nações Unidas, as "expulsões em massa" são "contrárias às obrigações" da Carta Africana e, por isso, exortou os Governos em Luanda e em Kinshasa a trabalharem juntos para garantirem um "movimento populacional" seguro e evitarem uma nova crise humanitária.