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Meninas lutam contra casamentos forçados na Guiné-Bissau

Richard Furst
28 de novembro de 2017

Conseguiram fugir de casamentos precoces e de abusos sexuais em casa, mas ainda enfrentam dificuldades no centro que as acolheu em Bissau. A instituição pede ajuda urgente e doações.

Foto: AMIC Bissau

Os casamentos forçados e precoces na Guiné-Bissau são uma prática que apesar de constante também choca a própria população guineense. Poucas meninas conseguem fugir desta realidade imposta pela sociedade: 41% das mulheres são obrigadas a casar-se com um homem que não queriam na Guiné-Bissau, segundo um estudo local da Casa dos Direitos, referência no trabalho social no país.

Não é fácil para as vítimas falar do que passaram. Hoje com 17 anos, uma jovem guineense que prefere não ser identificada contou à DW África sobre o horror de ter ficado grávida aos 15 anos do próprio pai.

"O meu pai violou-me, não apenas uma vez. Eu fiquei grávida e uma vizinha acompanhou-me até o hospital para que eu fizesse um aborto forçado também pelo meu pai. Tivemos que voltar para casa porque foi mal sucedido. Depois um médico veio até minha casa para nova tentativa de aborto até que alguém entrou em contacto com a polícia e eu consegui vir até este abrigo. Perdi o filho e a minha família", desabafa.

Meninas lutam contra casamentos forçados na Guiné-Bissau

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Histórias repetidas

Hoje, ela é uma das 50 meninas que vivem num centro de acolhimento para vítimas de casamento forçado da Associação Amigos da Criança (AMIC), em Bissau.

Poucas guineenses conseguem fugir deste fenómeno presente em quase todas as etnias na Guiné-Bissau. As vítimas são sobretudo crianças órfãs ou filhas de pais separados.

"Havia quatro mulheres, eu fui a quinta a ser violada, mas consegui fugir. O meu pai morreu e eu fui obrigada pelos meus tios. Ainda está a ser um sofrimento enorme", conta outra jovem de 19 anos ouvida pela DW África, que também mora na casa da AMIC.

As idades das meninas que vivem no centro da AMIC variam entre os 12 e os 28 anos e as suas histórias são semelhantes. Apesar de muito abalada, outra moradora da casa, também de 19 anos, ainda afirma acreditar num futuro.

"Eu quero continar a escola e no futuro poder ajudar outras crianças a saírem desta situação que me magoa até hoje. Uma das formas que tento esquecer o que aconteceu comigo é indo à escola e à igreja. O abrigo faz-me bem", resume.

No centro da AMIC, em Bissau, as meninas ajudam em todas funções da casaFoto: AMIC Bissau

Necessidade de apoio

A casa de acolhimento da AMIC vive uma situação difícil e toda a ajuda é bem-vinda. "Cinquenta pessoas num só espaço e dar de comer numa situação como a da Guiné-Bissau é muito duro", destaca Laudolino Carlos Medina, secretário executivo do centro de ajuda.

Laudolino Medina revela que todas meninas foram violadas e muitas engravidaram de homens muito mais velhos que elas, com quem deviam casar. A maioria tem origens muito simples, falam apenas o crioulo da Guiné-Bissau.

"Cada caso é um caso único, cada uma tem o seu trauma. Muitas ficam totalmente revoltadas, têm problemas de concentração, perdem a confiança nas pessoas e a concentração na escola", conta o secretário da AMIC.

"Para além destes problemas psicológicos, eu acho que são muito mais dolorosos porque estamos a falar de meninas de classes muito vulneráveis, muitas vezes carenciadas. Elas têm problemas de vestuário, mas nós tentamos ao nosso nível,  tendo em conta, portanto os meios que dispomos, tentar resolver esses problemas pelo menos físico: vestuário e alimentação", sublinha Laudolino Mesquita.

Comida chega a ser insuficiente em centros de ajuda que já não têm capacidade para receber novos moradoresFoto: Guine Bissau, Bissau AMIC

Leis e famílias não protegem meninas

Contrariando gravemente a disposição legal, a Guiné-Bissau ratificou todas as convenções internacionais sobre os direitos das crianças e todas elas estipulam que a idade para casar é a partir dos 18 anos. Mas segundo a legislação guineense, a idade para casar é a partir dos 16 anos.

Apesar de já ter recebido garantias de que a lei será alterada e o casamento forçado e precoce passará a ser criminalizado, é preciso esperar que o Parlamento do país volte a funcionar. A Assembleia Nacional foi encerrada há dois anos devido a divergências políticas.

Denúncias 

Quem trabalha com as vítimas de casamentos forçados conta que antes as pessoas não faziam denúncias, mas agora basta terem a informação para denunciarem os casos e as próprias meninas também têm mais consciência. Há uma lei contra o casamento precoce e um centro onde as vítimas podem recorrer.

"Temos trabalhado para recomendar a revisão da lei e harmonizá-la com as convenções internacionais. Porém, é preciso que o Estado da Guiné-Bissau assuma a sua responsabilidade e que haja, portanto, orçamentos amigos das crianças nas áreas sociais vindos do Ministério da Família, da Justiça e da Educação", sublinha Medina.

Apesar de ainda estarem numa situação difícil na AMIC, associação que precisa de ajuda urgente, as meninas têm segurança e garantias que não vão ser obrigadas a casar. O instituto também colabora no resgate de crianças que foram levadas para o Senegal por redes de traficantes de pessoas. Recentemente, 32 crianças foram localizadas e trazidas de volta para a Guiné-Bissau.

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