Merkel sem arrependimentos: "Putin quer dividir a Europa"
Sabine Kinkartz | cm | Lusa
8 de junho de 2022
Na primeira entrevista desde que deixou o cargo de chanceler da Alemanha, Angela Merkel diz ter feito todos os possíveis para evitar o conflito na Ucrânia. Mas já sabia que o Presidente russo "queria destruir a Europa".
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A ex-chanceler alemã, Angela Merkel, admitiu esta terça-feira (07.06) que já se questionou se poderia ter sido feito mais para evitar a invasão russa da Ucrânia que começou a 24 de fevereiro.
Ainda assim, quando faz uma retrospetiva dos 16 anos de governação, Angela Merkel fala com "tranquilidade" por saber que fez o possível para evitar a situação atual e sublinhou que tem total confiança na gestão do seu sucessor, Olaf Scholz.
"Penso que esta situação já é uma grande tragédia. Poderia ter sido evitada, e é por isso que continuo a fazer-me estas perguntas, mas não consigo imaginar não ter confiança no atual governo federal", afirmou.
Na sua primeira aparição pública desde que deixou o cargo a 8 de dezembro, Merkel aceitou responder às perguntas do jornalista Alexander Osang, da revista alemã Der Spiegel, em Berlim, perante uma plateia de cerca de 700 espectadores.
A ex-governante admitiu ainda que em 2014, após a anexação da península da Crimeia, o Presidente russo, Vladimir Putin, poderia ter sido tratado com mais severidade. Mas enfatiza que não se pode dizer que nada foi feito na época, referindo-se à exclusão da Rússia do G8.
"Nunca fui ingénua"
Em 2008, Angela Merkel opôs-se à expansão da NATO para o leste e a integração da Ucrânia à aliança, mas justifica: "Nessa altura, a Ucrânia já era um país dominado por oligarcas. E não podíamos simplesmente dizer: Vamos aceitá-la na NATO amanhã."
Em resposta a algumas acusações de que foi alvo, a democrata-cristã ressaltou que "nunca foi ingénua" em relação ao "ódio" de Putin ao modelo ocidental de democracia, tendo alertado diversas vezes líderes internacionais de que o objetivo do líder russo era destruir a Europa.
Angela Merkel: Retrospetiva a 16 anos de Chanceler
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"Não foi possível criar uma arquitetura de segurança que o pudesse ter impedido. O que é claro, e quero dizer isto mais uma vez para que não haja mal-entendidos, é que não há qualquer justificação para esta invasão da Ucrânia. Um ataque brutal, que viola o direito internacional, para o qual não há desculpa", sublinhou.
"Sabemos que ele quer dividir a União Europeia, porque a vê como uma precursora da NATO", afirmou ainda Merkel. Um dos motivos que o Presidente russo usou para tentar justificar a invasão ao país vizinho foi precisamente a expansão da aliança militar ocidental no Leste Europeu.
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Uma nova fase
Na conversa que durou cerca de uma hora e meia, e maioritariamente dominada pelo tema da guerra na Ucrânia, Merkel falou igualmente sobre a nova fase da vida, afastada da política, após 16 anos no poder.
Explicou que evita falar publicamente como ex-chefe de governo, já que o seu papel não é o de dar conselhos nos bastidores. Prefere, por isso, manter-se à distância. Disse aonda que não se candidatar novamente em 2021 foi a decisão certa.
"Estive na política 30 anos e sempre tive compromissos, compromissos e compromissos e realmente fui muito, muito feliz. Mas acredito que posso lidar muito bem com esta nova fase da minha vida e também ser muito feliz."
Putin e Merkel: Uma relação de altos e baixos
A relação entre a Rússia e a Alemanha atravessa tempos difíceis. No fim de semana, a chanceler alemã, Angela Merkel, esteve no Azerbaijão à procura de um novo parceiro para reduzir a dependência do gás russo.
Foto: picture-alliance/dpa
Líderes em ascensão
Em 2002, Angela Merkel era líder do então principal partido da oposição na Alemanha, a União Democrata Cristã (CDU). Putin era o novo Presidente de uma nova e moderna Rússia. Depois de se encontrar com Putin no Kremlin, conta-se que Merkel terá dito aos seus assessores que passou no "teste da KGB" de manter o olhar fixo - uma alusão à carreira anterior de Putin nos serviços secretos soviéticos.
Foto: picture-alliance/dpa
A nova chanceler
Vladimir Putin construiu uma amizade com o antecessor de Angela Merkel, Gerhard Schröder, que se mantém até hoje. No final de 2005, já era claro que Merkel iria destronar o social-democrata Schröder. Numa conversa com Merkel na Embaixada russa em Berlim, Putin prometeu aumentar os laços entre os dois países. Merkel descreveu o diálogo como "muito aberto".
Foto: imago/photothek/T. Koehxler
Um "ouvido amigo" para Putin
Cerca de um ano depois, Putin partilhou as suas impressões sobre a mulher que se tornou chanceler da Alemanha: "Não nos conhecemos a nível muito pessoal, mas estou impressionado com a sua capacidade de ouvir", disse Vladimir Putin à emissora pública alemã MDR de Dresden, acrescentando que ouvir era uma qualidade rara entre as mulheres na política.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Hiekel
Quando Merkel conheceu o cão de Putin...
É conhecido o medo que a chanceler alemã tem de cães. No entanto, Putin deixou que o seu cão, Konni, passeasse livremente em Sochi, no local em que recebeu Merkel, em janeiro de 2007. Tentativa de intimidação? Merkel parece pensar que sim. "Acho que o Presidente russo sabia muito bem que eu não estava entusiasmada com a ideia de conhecer o cão dele, mas ainda assim trouxe-o com ele", disse.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Chirikov
E a liberdade de imprensa?
Em 2012, Vladimir Putin assumiu uma posição mais dura em relação à imprensa e aos dissidentes políticos. Questionada sobre a liberdade de imprensa, quando estava em São Petersburgo, Angela Merkel respondeu: "Se eu ficasse irritada todas as vezes que abro um jornal, não duraria três dias como chanceler".
Foto: picture-alliance/dpa
Diálogo na idade do gelo
As relações entre Moscovo e o Ocidente pioraram após a anexação da Crimeia, em 2014. No entanto, Putin disse à imprensa alemã que ainda mantinha uma "relação de negócios" com a chanceler alemã. "Eu confio nela. É uma pessoa muito aberta. Ela, como qualquer outra pessoa, está sujeita a certas limitações, mas está a tentar resolver as crises de forma honesta", disse ao jornal alemão "Bild".
Foto: picture-alliance/dpa/A. Nikolskyi
Sem querer ofender, mas...
"Não pretendo insultar ninguém, mas a declaração de Merkel é a explosão de uma raiva acumulada há muito sobre a soberania limitada", disse Putin à imprensa em São Petersburgo, em 2017, comentando um discurso da líder alemã em Munique, durante a campanha eleitoral. Angela Merkel pediu aos europeus que confiassem em si próprios, numa altura de disputas com o Presidente norte-americano, Donald Trump.
Foto: picture-alliance/AP Photo/D. Lovetsky
"Temos de conversar um com o outro"
Quando Merkel chegou a Sochi, em 2018, Putin recebeu-a com um ramo de flores. Uma oferta de paz? Um galenteio? Sexismo? A chanceler apareceu depois ao lado de Putin e disse que o diálogo precisava de continuar. "Mesmo que haja graves diferenças de opinião sobre alguns assuntos, temos de conversar um com o outro", disse Merkel.