Metade da população da RCA precisa de ajuda humanitária
Bettina Rühl
26 de janeiro de 2018
Alerta é dado pela Cruz Vermelha e pelo Governo, que pede o apoio da comunidade internacional para alcançar a paz e acudir a cerca de 2 milhões e meio de pessoas afectadas pelo conflito em curso no país desde 2013.
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Desde dezembro, os confrontos entre milícias rivais agravaram-se na República Centro-Africana (RCA) - particularmente, no nordeste do país. Mesmo no sul, regiões inteiras foram abandonadas por centro-africanos que procuraram refúgio no vizinho Congo.
Num hospital em Bangui, a capital, os quartos e corredores estão sobrelotados de pacientes – mulheres e homens com marcas profundas da guerra civil que tomou conta do país há cinco anos.
Cecile está deitada numa das camas. Tem uma grande cicatriz na cara, depois de ter sido atacada com um machete. A perna esquerda está enrolada em ligaduras e os ossos foram estabilizados com uma barra de metal. Cecile vem de Alindao, uma cidade no sul do país.
Quando a guerra começou, fugiu com os seus dois filhos para casa de uma tia. "No regresso para Alindao, passámos por um grupo de homens armados. Sequestraram-nos e entregaram-nos ao líder de uma aldeia vizinha. Dispararam contra mim e contra os meus filhos e atacaram-nos um um machete”, conta.
Os filhos sobreviveram ao ataque. Cecile – que ficou gravemente ferida – conseguiu assistência médica. Encontrou trabalhadores da Cruz Vermelha que a levaram para Bangui, a 300 km, onde tem estado a receber tratamento. Muitas das vítimas da guerra não têm a mesma sorte.
Os trabalhadores humanitários não conseguem chegar a muitas zonas do país, porque as estradas estão intransitáveis e as milícias cristãs e muçulmanas atacam médicos e outros funcionários de ONG com frequência.
O pior país para trabalho humanitário
Fora de Bangui, o Governo da RCA tem pouca influência. Mesmo os 10 mil capacetes azuis da ONU enviados para o país não conseguem proteger a população.
"A República Centro-Africana é infelizmente o pior país para os trabalhadores humanitários, neste momento”, diz Peter Maurer, presidente do Comité Internacional da Cruz Vermelha.
Maurer está na RCA de visita a um campo de deslocados, a avaliar a dimensão da crise. Considera que o ano passado foi "particularmente difícil”: "Trabalhadores do Comité Internacional da Cruz Vermelha, bem como da Cruz Vermelha centro-africana, foram mortos.”
Só no ano passado, sete trabalhadores humanitários morreram às mãos das milícias. Ao mesmo tempo, as organizações locais tentam responder aos apelos da população em sofrimento. Segundo as Nações Unidas, metade da população – cerca de 2 milhões e meio de pessoas – dependem de ajuda humanitária.
Mais de um milhão de deslocados
Metade da população da RCA precisa de ajuda humanitária
Algumas pessoas passaram anos a tentar fugir do conflito, mas acabaram por ser apanhadas em novos focos de violência em outras zonas do país. As milícias cristãs e muçulmanas estão em guerra desde 2013, após a queda do Presidente François Bozizé.
Ambas as partes são acusadas de crimes contra a população, levando a ONU a alertar para um potencial genocídio, no ano passado. Em 2016, foi eleito um novo Presidente, mas a paz ainda é uma realidade distante. Milhares de pessoas morreram no conflito e mais de um milhão abandonaram as suas casas. Algumas regiões da RCA estão totalmente desertas.
Os campos de refugiados no vizinho Congo estão sobrelotados e não têm condições e o mesmo acontece nos campos para os deslocados internos na RCA. Muitos, como Makai Sambo Mbororo, já nem pensam em regressar a casa.
Makai fugiu para um campo em Kaga Bandoro, uma cidade no norte do país: "Antes dos confrontos, eu criava gado, tinha cerca de 500 animais. E duas lojas. Perdi tudo. Quatro dos meus irmãos foram mortos e agora os filhos dependem de mim. Nem consigo pensar naquilo que me aconteceu”.
Fuga e sofrimento na República Centro-Africana
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Aqueles que podem, fogem. Aqueles que permanecem, lutam todos os dias pela sobrevivência.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Refúgio no aeroporto de Bangui
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Milícias cristãs e muçulmanas promovem amargos combates. Um milhão de pessoas estão em fuga. Quase todos os muçulmanos deixaram a capital, Bangui. Entre os que permaneceram, algumas centenas encontram abrigo num velho hangar do aeroporto.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Perder tudo
O marido de Jamal Ahmed tinha guardado dinheiro suficiente para a fuga de sua família, quando as milícias cristãs chamadas "Anti-Balaka" invadiram sua aldeia natal. As poucas economias não foram suficientes - ele pagou com a vida. Jamal Ahmed vive no acampamento que surgiu no aeroporto: "Não conheço ninguém aqui. Não tenho mais nada. Não sei como será daqui para a frente.”
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ver os netos mais uma vez
Aos 84 anos, Fatu Abduleimann está entre os moradores de idade mais avançada do campo de refugiados do aeroporto. Nas últimas décadas, Fatu assistiu a muitas dificuldades em sua terra natal. Mas nunca foi tão ruim quanto agora, diz a idosa. Seu único consolo: a maioria dos seus filhos conseguiu fugir para o Chade. Seu maior desejo: "ver os meus netos mais uma vez."
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Quilómetro Cinco, uma cidade fantasma
Exceto o acampamento de refugiados no aeroporto, quase todos os muçulmanos deixaram a cidade. Há alguns meses, o chamado "Quilómetro Cinco" era um animado centro da comunidade muçulmana. Mais de 100.000 pessoas moravam e trabalhavam aqui, a cinco quilómetros do centro da capital, Bangui. Agora, restaram apenas algumas centenas de pessoas. As lojas estão fechadas até nova ordem.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Esperar o momento certo
Quase todos os muçulmanos que ainda restam no "Quilómetro Cinco" querem apenas uma coisa: sair daqui. Os caminhões para a fuga estão prontos. Eles esperam que um comboio tenha como destino os países vizinhos como os Camarões ou o Chade.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
A cidade de campos de refugiados
Não apenas os muçulmanos temem por suas vidas. Por toda a cidade de Bangui pode-se encontrar acampamentos provisórios em que a maioria da população, cristãos e animistas, procura proteção - por medo de um retorno das milícias islamistas ou simplesmente porque não têm o que comer - e espera por doações de alimentos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ajuda sobrecarregada
O Pastor David Bendima recebeu, na sua igreja, mais de 40 mil pessoas que fugiram dos combates no centro da cidade. Mas ele também não pode garantir-lhes segurança suficiente. "Todas as noites ouvimos tiros e granadas explodindo. As pessoas estão com muito medo", diz o pastor. Ele parece cansado.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Últimas reservas
Chancella Damzousse, de 16 anos, vive em uma aldeia a meia hora de distância de Bangui. Ela prepara o jantar. "Tudo o que resta são alguns grãos de feijão e um pouco de gergelim", diz a jovem. 15 pessoas terão que se satisfazer com a refeição. Desde que milícias muçulmanas destruíram o lugar há alguns meses e mataram muitos cristãos, a família de Chancella recebeu vários vizinhos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Vítimas, autores, centinelas
Ao lado da casa de Chancella, há um guarda da milícia Anti-Balaka. Os amuletos em seu corpo o tornam invulnerável contra balas, explica ele. A milícia tomou o controle da região. Seu trabalho é proteger os moradores da aldeia do ataque de outros rebeldes. No entanto, a sua proteção aplica-se apenas aos cristãos - há muito tempo os muçulmanos deixaram o local ou foram mortos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Presença internacional
Sete mil soldados da União Africana e da França têm a responsabilidade de garantir a segurança no país dilacerado. A situação humanitária está piorando a cada dia, no entanto. Em 1 de abril, a União Europeia lançou oficialmente a sua operação militar na República Centro-Africana, com um contingente de até mil homens para reforçar as tropas francesas e africanas por um período de até seis meses.