Os escritores de Moçambique e Angola comentam suas últimas obras perante o público da Feira do Livro de Leipzig, na Alemanha. Couto apresenta trilogia. Epalanga, crónicas de Lisboa.
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Considerada uma das maiores do mundo, a Feira do Livro de Leipzig privilegia o contato entre leitores e autores em sessões de leitura.
"Uma das ideias era lidar com o assunto da memória e da construção da memória como sendo uma única verdade," é a explicação que Mia Couto apresenta ao público sobre o que o levou a escrever a trilogia "As Areias do Imperador". Ngungunhana, imperador de Gaza, famoso por ter enfrentado os colonialistas portugueses em Moçambique, é a personagem central. Mas, ao microfone da DW-África, o escritor moçambicano deixa claro que o objetivo desta série não é fazer o retrato desta figura mítica.
"Ngungunhana é um pretexto. É o personagem trágico, digamos, que me autoriza a falar de um tempo. Este tempo é o que me interessa. O tempo em que se definiram algumas das bases, alguns dos fundamentos que hoje ainda marcam aquilo que é a nossa identidade nacional. Portanto, eu quero questionar, o passado recente em Moçambique. Isso sim é o que me interessa," revela o autor.
24.03.17 Feira do Livro Leipzig - MP3-Stereo
A trilogia é o tema das várias leituras que o autor tem previstas na Feira do Livro de Leipzig. Os minúsculos stands tornam-se mais pequenos ainda com a quantidade de gente que vai lá para ouvi-lo. Mia Couto assume que pouco conhece sobre os gostos literários do público alemão, mas dá-se por satisfeito pelo facto de se interessarem por livros que vêm de África.
"Acho que [é] a descoberta de que temos histórias que são, afinal, tão próximas, tão comuns. Eu acho que é importante desconstruir aquela ideia de uma África típica, exótica, folclórica, que tem coisas engraçadas para dizer e que os africanos são particularmente qualquer coisa. Os africanos são muito como os europeus e é isso que é importante descobrir," avalia Mia Couto.
Epalanga, a energia jovem de Angola
Kalaf Epalanga é outro autor dos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP) que marca presença na edição deste ano. O jovem angolano é novo nas lides da escrita, bem como em participações em feiras de grande envergadura, como a de Leipzig. Não tem livros traduzidos para o alemão, mas tem esperanças de conseguir isso.
"Eventualmente, a minha gente alemã está a caminho. Por isso, vou deixá-los fazerem o seu trabalho," diz.
"O Angolano Que Comprou Lisboa (Por Metade do Preço)" é o título do seu segundo livro de crónicas. A obra evidencia nitidamente as vivências do angolano e do português que habitam dentro de Kalaf Epalanga. Como convivem essas duas nacionalidades dentro do autor?
"É curioso. Eu sinto que continuo a ser a mesma pessoa. É óbvio que sou um angolano a viver em Lisboa e isso, sem dúvida, passa para a minha escrita – e quero passar essa ideia. Digo sempre que há uma forma de estar em Lisboa, há uma proximidade com África que Lisboa permite que muito poucos lugares no mundo conseguem oferecer às pessoas," responde o escritor angolano.
"Diria que é um porto. É uma cidade com um porto cultural, emocional, imaginário, mas real também," define Epalanga a capital portuguesa.
Nesta feira que termina no próximo dia 26, Epalanga assume-se como observador e curioso, mostrando optimismo. O escritor angolano espera que seja a primeira de muitas outras.
Cinemas únicos em Angola
São obras únicas vistas pela lente do fotógrafo angolano Walter Fernandes - cinemas e cine-esplanadas desconhecidos de muitos. As fotos foram reunidas em livro e estão em exposição em Lisboa, a partir desta semana.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
"Uma ficção da liberdade"
O Cine Estúdio do Namibe inspira-se nas obras do arquiteto Oscar Niemeyer. É um dos edifícios únicos de Angola destacados no livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade" e fotografados por Walter Fernandes. Esta é uma das imagens em exposição no Goethe-Institut de Lisboa que revelam uma arquitetura desconhecida por muitos de cinemas construídos antes do fim do domínio colonial português.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Património mal preservado
O Cine Tômbwa, também no Namibe, obedece a uma lógica de salas fechadas, mas já apresentava algumas linhas mais modernas. Segundo o fotógrafo Walter Fernandes, o edifício foi construído com materiais "sui generis". Mas o património herdado está muito mal preservado, lamenta o angolano.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Moçâmedes: A pérola do Namibe
No Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes) nota-se bastante a influência da arquitetura do regime ditatorial português, o Estado Novo. Este é considerado um dos cinemas angolanos mais antigos e também aparece no livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade", apadrinhado pelo Goethe-Institut em Luanda e pela editora alemã Steidl.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Conceito futurista
O arquiteto Botelho Pereira não só desenhou o Cine Estúdio do Namibe, como também o Cine Impala. Botelho Pereira inspirou-se no movimento deste antílope e planeou espaços abertos e arejados, de forma futurista. O livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade" também destaca estas cine-esplanadas, que ganharam popularidade a partir de 1960 por se adaptarem mais ao clima tropical do país.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Cinema-esplanada para as elites
Este é um dos cinemas preferidos de Miguel Hurst, um dos editores do livro "Angola Cinemas". Foi aqui, no Cine Kalunga, em Benguela, que se pensou em fazer a obra. Cine-esplanadas como esta adequavam-se mais ao clima, mas serviam também um propósito do regime português - criar locais de convívio entre as populações locais e os colonos. A elite branca e a pequena burguesia negra vinham aqui.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
A "grande sala"
A "grande sala" de Benguela era o Monumental - pelo menos, ganhou essa reputação. Os colonizadores portugueses construíram o Cine-Teatro nesta cidade costeira pois evitavam o interior do país - normalmente, as companhias portuguesas só atuavam nas grandes cidades da costa angolana.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Imperium: "Art decó" em Benguela
Aqui, são imediatamente visíveis traços da passagem da "art decó" (um estilo artístico de caráter decorativo que se popularizou na Europa nos anos 20) para o modernismo. O interior do Cine Imperium, fotografado por Walter Fernandes, representa bem essa mistura estética, com os cubos, retas, círculos e janelas. Benguela tinha várias salas, porque era das províncias mais populosas de Angola.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
O arquiteto que pensava as cidades
Este é o interior do Cine Flamingo: mais uma pérola da província de Benguela. A parte de trás é uma esplanada. Sentado, o espetador está em contacto com a natureza, mas não está exposto. Até hoje, a estrutura mantém-se, mas o espaço está um pouco vandalizado. Miguel Hurst sublinha a importância de manter obras como esta do arquiteto Francisco Castro Rodrigues, um homem que pensava cidades.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Primeiro cine-teatro de Angola
"O Nacional" Cine-Teatro foi a primeira sala construída em Luanda, no início do Estado Novo, nos anos 40. Esta é uma das imagens patentes na exposição no Goethe-Institut em Lisboa. A mostra pretende ser "um testemunho do modo como estes edifícios constituíam um enquadramento elegante que sublinhava uma simples ida ao cinema, promovendo assim a reflexão sobre esta herança sociocultural e afetiva."
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Memória para gerações futuras
Os irmãos Castilho são os principais responsáveis pela introdução das cine-esplanadas em Angola. A primeira da sua autoria foi o Miramar, encostado a uma ribanceira virada para o mar em Luanda. Depois surgiu o Atlântico, na foto. Para os autores do livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade", este é um documento de memória que pode ser útil para as futuras gerações.