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Mia Couto: Moçambicanos estão a pagar preço "desumano"

11 de outubro de 2016

O que é preciso fazer para pôr fim ao conflito entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO? O escritor moçambicano Mia Couto considera que as duas partes têm de fazer cedências para chegar a um entendimento, em nome do povo.

Mosambikanische Autor Mia Couto
Foto: DW/J. Carlos

"O ambiente em Moçambique padece de uma certa doença esquizofrénica", afirma o autor em entrevista à DW África. "A RENAMO está representada no Parlamento, tem colocado questões às vezes muito pertinentes em relação à construção de soluções ou alternativas para a gestão do país. Agora, não se pode aceitar em nenhum lado do mundo que um partido discuta coisas no Parlamento e depois fora dele usa armas para combater o Governo", defende.

Tal como todos os moçambicanos, Mia Couto não deseja viver os horrores de uma nova guerra civil em Moçambique. Por isso, recomenda que o Governo e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) façam cedências para chegar a um acordo, de modo a pôr fim às hostilidades.

Na opinião do escritor, se o principal partido da oposição, "sem condicionar as negociações a troco de nada", aceitasse fazer "um outro pleito eleitoral", ou se iniciasse "um processo de descentralização de maneira a que essa sua presença fosse legitimada por essas eleições", aí o cenário seria outro.

No entanto, reforça, "a RENAMO não pode, por um lado, aceitar as eleições passadas para justificar a sua presença no Parlamento e, por outro lado, exigir uma outra coisa, dizendo que essas eleições não foram justas".

"Ninguém quer a guerra"

"Chegou-se a uma situação em que é preciso que ambas as partes tenham a capacidade de abdicar de alguma coisa, de alguma pretensão, em nome daquilo que é a vontade popular", sublinha Mia Couto, sustentando ainda que nenhum mediador externo poderá ajudar a resolver o conflito em Moçambique se as partes dialogantes não se entenderem.

"Ninguém quer a guerra", lembra o autor de "Terra Sonâmbula", entre muitos outros títulos, que viveu 16 anos de guerra civil. Por isso, afirma que está exausto e não tem mais forças para enfrentar outro conflito militar. "O que se está a pedir às pessoas, o preço que se está a pedir por essa mudança é completamente desumano", considera.

Conflito armado deixou marcas profundas em MoçambiqueFoto: picture-alliance/Paul O'Driscoll/Impact Photos

"Não me parece que seja racional matar os outros e a operação que foi criada em Moçambique é para, dos dois lados, legitimar que o outro não é humano", critica. Devido à escalada de violência há milhares de crianças que não podem ir à escola, denuncia ainda o escritor. "Não matem pessoas inocentes, não assaltem hospitais nem escolas".

Sobre a legitimidade de tais atos de violência, protagonizados pelas duas partes, Mia Couto responde que quem governa Moçambique herdou a máquina do aparelho do Estado, que tem um exército e a polícia. "Essa política, esse Estado, exerce violência, é óbvio. É assim a natureza do Estado em todo o mundo, mas não me parece que se possa dizer: 'bom, se um é violento o outro também tem direito a ser'. Acho que a pergunta não está bem formulada. A pergunta é: quem é que tem que governar Moçambique?", argumenta, lembrando que em nenhum outro lugar do mundo há duas polícias e dois exércitos.

O problema, diz o escritor, não é legitimar ou democratizar o uso da violência. A questão é travá-la sem impor condições."E não pode ser uma força de uma guerrilha que foi instalada de maneira ilegal que diz ao Governo o que é que tem que fazer, onde é que tem de pôr as suas tropas".

Soluções por consenso

Mia Couto, que sublinha não ter nenhuma filiação partidária, rejeita a ideia de ódio entre as partes em conflito, depois de 20 anos de paz. Mas critica os poderes constituídos pelos movimentos de libertação que se acomodaram depois das independências.

11.10.16 Mia Couto fala sobre conflito em Mocambique - MP3-Stereo

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"Todos os movimentos de libertação têm um pouco esse exercício de pensarem que o poder é eterno e o poder está conferido para sempre. É óbvio que isso tem de ser questionado dentro de todos os movimentos de libertação", seja o Congresso Nacional Africano (ANC), a FRELIMO, ou o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). "E já está a acontecer naturalmente".

Numa altura em que está em causa a paz no país, o escritor questiona com estranheza que o debate político esteja a ser feito à margem do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), partido da oposição também presente no Parlamento.

E com tantos desvios de fundos e dívidas ocultas, terá o antigo Presidente Armando Guebuza contribuído para alienar a RENAMO da via pacífica? "Por muito que tenha sido feita essa política de alienação daquilo que era a riqueza nacional, o erário público, eu não sei se isso justifica que a RENAMO opte por uma via militar", responde Mia Couto.

Mia Couto falou à DW África aquando do lançamento em Portugal, na semana passada, do seu livro "A Espada e a Azagaia", da trilogia "As Areias do Imperador”, que retrata os derradeiros dias do chamado Estado de Gaza, o segundo maior império em África dirigido por um africano. O livro é a continuação de um primeiro volume de três obras sobre o passado plural da História de Moçambique, contada em várias vozes. Segundo o autor, o terceiro livro da trilogia estará concluído em 2017.

"O que este passado nos ensina é que a solução de imposição de uma via, conquistada pelas armas, tem, como teve aquele Império, pouca dura. É preciso que essas soluções sejam encontradas por consenso, não por outra via", defende Mia Couto.

 

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