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Cultura

Mia Couto: Nova geração de escritores surge com "força"

27 de março de 2017

Mia Couto afirma que esta nova geração vai preencher a lacuna que existia na literatura moçambicana. Sobre a sua trilogia, explica que Ngungunhana foi um “pretexto” para “questionar o passado recente” do seu país.

Deutschland Buchmesse in Leipzig - Mia Couto, Mosambik
Mia Couto (centro)Foto: DW/N. Issufo

O moçambicano Mia Couto foi uma das figuras de destaque entre os oito escritores de língua portuguesa que marcaram presença na Feira do Livro de Leipzig, na Alemanha, que terminou no último domingo (26.03). Em entrevista à DW África, Mia Couto abordou o rumo da literatura moçambicana e da arte, de uma maneira geral. Falou claro, também, sobre a sua última obra, a trilogia "As Areias do Imperador", que tem como figura central o imperador de Gaza Ngungunhana, famoso por ter resistido aos colonialistas portugueses em Moçambique.

DW África: Na sua trilogia apresenta um Ngungunhana diferente das outras abordagens feitas até aqui, portanto, nem herói, na sua forma idealizada, nem um diabo. Pretende mostrar o seu lado mais real e humano com fraquezas e qualidades?

Mia Couto (MC): Eu não procuro exatamente fazer o retrato de Ngungunhana. O Ngungunhana é o pretexto, o personagem trágico, digamos, que me autoriza a falar de um tempo e esse tempo é que me interessa. O tempo em que se definiram algumas das bases, dos fundamentos que hoje ainda marcam muito aquilo que é a nossa identidade nacional, portanto, eu quero questionar o passado recente de Moçambique. É isso que me interessa.

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DW África: Uma das coisas pouco destacada na história moçambicana sobre a vida de Ngungunhana e das suas esposas é a sua prisão em Portugal, nos Açores. O que é que percebeu que nos possa revelar em relação a este episódio da vida de Ngungunhana?

MC: Eu fui aos Açores, tive lá um mês a fazer pesquisa e a ver os lugares onde ele este preso, onde ele morreu e foi enterrado, onde ele chegou num barco que o trouxe e que, curiosamente, se chamava "Zambeze”. O que me interessou não foi exatamente a recolha de informação, eu tinha muita informação, mas a recolha daquilo que não pode ser dito em nenhum livro que seria eu colocar-me na pele de um africano que tinha o mar como uma interdição. Para o povo Nguni o mar é um lugar que não tem nome, que não pode ser tocado. Tudo isso me interessou e olhar aquela ilha como uma inteira prisão, ele não estava só preso no forte, ele tinha uma ilha como prisão e a parede dessa prisão era o próprio mar. Tudo isso me ajudou a escrever uma parte do livro.

DW África: Existe uma nova geração de escritores em Moçambique que vai surgindo muito timidamente. No entanto, não lhes é dada a exposição necessária no mercado, principalmente, internacional, para que sejam conhecidos. É possível garantir a continuidade de escritores ou da literatura moçambicana nestas condições?

MC: Esse passo nacional e internacional conquista-se e é uma luta muito dura mais ainda agora nesta geração que tem muita qualidade, porque os critérios de publicação estão todos entregues ao mercado, se o livro vende ou não vende. Acontece que a maior parte dos grandes talentos jovens de Moçambique surgem na área da poesia e a poesia vende-se pouco, como dizem os editores. O que eu tenho grande esperança, e tenho realmente uma esperança fundamentada em coisas que eu conheço, há uma jovem geração moçambicana que é muito boa e que vai preencher uma certa lacuna que havia. Durante uns quinze, havia aquilo a que se chamava um vazio. (Perguntava-se) "Então não surgem novos (talentos)?”Estão a surgir e com uma grande força.

Mulheres de Cinza -primeiro livro da trilogia "As Areias do Imperador" Foto: DW/J. Carlos

DW África: E como se explica este surgimento repentino?

MC: Eu acho que houve um momento em que estávamos um pouco perdidos. A guerra civil também teve o seu papel, pois quebrou elos dentro de Moçambique, matou a escola, matou o professor. Acho que também há um momento em que Moçambique se precisa de interrogar, questionando "Quem somos nós afinal?”. E a literatura surge com muita força quando há estas crises.

DW África: A literatura infantil também tem merecido algum destaque em eventos frequentes, não só em termos de literatura, mas noutras artes também, como por exemplo, a pintura. Isso é indicador de alguma mudança positiva no país?

MC: Acho que ao mesmo tempo que o país vive uma crise grande do ponto de vista financeiro e do ponto de vista daquilo que é a tranquilidade, a cidade de Maputo, falo nesta porque não conheço todas as outras, tem uma vitalidade cultural enorme que contrasta muito com o que se poderia esperar de uma cidade que viveu este longo trauma. Todos os dias acontecem coisas em Maputo, há vários sítios com musica ao vivo, é difícil acompanhar essa grande dinâmica que existe na cidade.

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