Migrantes africanos são vendidos como escravos na Líbia
Meyre Brito | Sandrine Blanchard
21 de novembro de 2017
Jovens sem perspetiva de vida acreditam que vão chegar à Europa e encontrar um trabalho. Mas acabam tornando-se escravos em Trípoli.
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Novembro, 2017. Desde a última semana, um vídeo está a agitar o mundo. Nas imagens publicadas pela CNN, dois africanos negros aparecem num canto escuro, enquanto um leiloeiro os oferece como escravos por 400 dólares - cada um. Isso está a acontecer na Líbia. A razão: de acordo com a Organização Internacional para as Migrações, a OIM, um órgão da ONU, pelo menos 20 mil migrantes são mantidos em cativeiro em Trípoli - porta principal de saída dos africanos para chegar à Europa.
O diretor do Centro Magrebe de Estudos para a Líbia, Rachid Kechana, declarou que a situação é dramática. "O nível de pobreza no país deles é altíssimo. Eles fogem em busca de melhores oportunidades”, explicou.
O sonho de chegar à Europa X o pesadelo de tornar-se um escravo
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Eles são jovens da África subsaariana. A maioria vem de países como Nigéria, Guiné, Burkina Faso ou Costa do Marfim, mas também da Eritreia ou da Somália. São muitas vezes jovens sem perspetiva de vida e acreditam que, se seguirem rumo à Líbia, vão chegar à Europa e encontrar um trabalho. No entanto, milhares deles acabam presos em campos imensos onde são mantidos até serem vendidos.
É em Tripoli, na capital da Líbia, que o objetivo de melhorar de vida no continente europeu chega ao fim. Ali, ao invés de conseguir um emprego, como desejavam, eles acabam vendidos como escravos em praças ou garagens, por motoristas ou moradores que recrutam os migrantes para trabalhos diários na cidade. Na maior parte das vezes, eles trabalham na construção civil. Ao fim de cada serviço, não existe pagamento. Pelo contrário, os raptores vendem seus escravos a novos compradores.
O jovem Souleymane, da Costa do Marfim, já esteve preso quatro vezes na Líbia. Em entrevista à DW, ele contou que viver em Trípoli é correr perigo de vida constantemente. "Eu constatei que há uma grande diferença entre Costa do Marfim e a Líbia. É muito difícil na Líbia. Todos os dias as pessoas morrem. Se for ao supermercado, pode ser pego por alguém para depois ser vendido. A vida na prisão é um inferno. Se conseguiu comer um pão de manhã, às vezes tem que esperar até o outro dia para comer novamente. Não se pode sair, nem mesmo ir ao banheiro. O lugar onde dorme, também é o lugar onde vai defecar; só se pode sair para obter comida e voltar. Não é fácil, não foi fácil para nenhum de nós", relatou o menino de 19 anos.
Vendidos, torturados e assassinados
Em uma coletiva de imprensa em Genebra, o chefe de missão da ONU para a Líbia, Othman Belbeisi, disse que os migrantes costumavam ser mantidos em cativeiro de dois a três meses, depois de serem negociados. "Estamos falando de migrantes vendidos como mercadorias. Estamos falando de escravidão também em cativeiros, onde os migrantes são presos por contrabandistas e por algumas milícias. A principal questão é que essas pessoas não têm documentos. Eles viajam por fronteiras irregulares e estão totalmente à mercê de contrabandistas. Durante esse período, eles são seqüestrados em troca de resgate, são vendidos, torturados e até assassinados", revelou Belbeisi.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse estar "horrorizado" com o caso. Guterres declarou que os leilões de refugiados africanos negros como escravos na Líbia devem ser investigados com urgência como crime contra a humanidade.
Seis anos após a queda de Muammar Gaddafi, a Líbia ainda é um estado sem lei, onde grupos armados competem por terras e pelos recursos naturais - e as redes de contrabando de pessoas operam impunes.
Investigação em curso
Nesta terça-feira (21.11), a presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, informou os jornalistas na capital da Etiópia, Addis Abeba, que a UA iniciou uma investigação sobre o leilão de migrantes africanos como escravos por grupos armados na Líbia.
Segundo Mahamat, eles vão tentar obter acesso a centros de detenção ilegais nos quais os migrantes são mantidos sem razões legais. "Pedimos às autoridades da Líbia que facilitassem os inquéritos em curso. Os responsáveis serão tratados através do sistema judiciário", declarou Mahamat.
A presidente da Comissão da UA disse ainda que despachou seu comissário para Questões Sociais, Amir El Fadil, como enviado especial à Líbia para iniciar o inquérito. A UA apelou aos seus 55 Estados membros que forneçam suporte logístico com o objetivo de enviar os migrantes presos na Líbia para seus países de origem.
Milhares de migrantes atravessam Níger rumo à Europa
São jovens oriundos da África Ocidental e fazem tudo para chegar à Europa. Estão mesmo dispostos a arriscar a vida, atravessando o deserto, rumo ao Mediterrâneo. Mas nem todos são bem sucedidos.
Foto: DW/A. Cascais
Apoio aos "menos bem sucedidos"
Em Niamey existe um centro de acolhimento da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Aqui são acolhidos os jovens "revenants", que não conseguiram atravessar o deserto e se veem obrigados a regressar aos seus países de origem. A OIM, que faz parte do sistema das Nações Unidas, dá-lhes abrigo provisório, alimentação e apoio na obtenção de passaportes e outros documentos.
Foto: DW/
À espera do regresso a casa
Os jovens que procuram apoio no centro da OIM vêm dos mais diferentes países: Guiné-Conacri, Mali, Senegal, Gâmbia ou Guiné-Bissau, movidos sobretudo por objetivos económicos. Muitos tiraram cursos superiores, mas não arranjam trabalho. Muitas famílias apostam na emigração de pelo menos um filho. Caso esse filho seja bem sucedido poderá eventualmente apoiar economicamente o resto da família.
Foto: DW/A. Cascais
Frustrados por terem falhado a Europa
Muitos investiram todas as suas economias, pediram dinheiro a familiares e perderam tudo. Agora esperam pelo regresso aos seus países com a sensação de terem sofrido grandes derrotas pessoais. Os assistentes sociais falam de casos em que os jovens não se atrevem a voltar ao seio das suas famílias, "por sentirem vergonha". Precisam de apoio psicológico, mas esse apoio não existe.
Foto: DW/A. Cascais
Otimismo apesar das derrotas
Alguns dos migrantes sofrem lesões e contraem doenças durante a travessia do deserto, mas mesmo assim não perdem o ânimo. Em muitos casos, os jovens tentam várias vezes, ao longo da vida, atingir a terra prometida: a Europa. Muitos nunca o conseguem, mas não perdem o otimismo. Em 2016, a OIM prestou apoio a mais de 6 mil "revenants" - migrantes que não foram bem sucedidos no Níger.
Foto: DW/A. Cascais
Espancado na Líbia
Dumbya Mamadou, de 26 anos de idade, oriundo do Senegal, conseguiu atingir a Líbia, depois de uma "odisseia de 5 dias e 5 noites" pelo deserto do Níger. Mas na Líbia foi maltratado. "Os líbios apontaram-me armas e espancaram-me, não têm respeito pelo ser humano", afirma o jovem. Dumbya volta ao seu país de origem com um sentimento de derrota: "Queria estudar na Europa, agora não sei o que fazer".
Foto: DW/
Roubado no Burkina Faso
Mamadou Barry, de 21 anos, oriundo da Guiné-Conacri, tinha um sonho: aplicar em França os seus conhecimentos de marketing e os seus talentos musicais. Mas a viagem rumo à Europa correu-lhe mal. "Fui roubado no Burkina Faso, o primeiro país pelo qual passei", conta. Mesmo assim, Mamadou aprendeu uma grande lição para a vida: "coisas que nunca teria aprendido se nunca tivesse saído de Conacri".
Foto: DW/A. Cascais
Rap contra a frustração
Mamadou Barry tenta digerir as suas derrotas e decepções através da música. Há três anos que o jovem canta e interpreta temas de rap e hiphop de sua autoria. O seu último tema foi escrito em Niamey, capital do Níger, e tem a seguinte letra: "A migração arrasou-me / e ninguém me pode consolar / O Mar Mediterrâneo já matou muitos / e nós cá continuamos: sem comida, sem cama, sem saúde".
Foto: DW/
Central de autocarros de Niamey: uma placa giratória
É da estação de autocarros de Niamey que partem diariamente centenas de furgonetas, muitas delas repletas de jovens migrantes, em direção ao norte. Os migrantes tornaram-se um fator relevante para a economia do Níger. Há muita gente que ganha a sua vida prestando diversos serviços aos migrantes: viagens pelo deserto, alimentação e mesmo cuidados médicos.
Foto: DW/A. Cascais
Mais migrantes tentam atravessar deserto do Níger
O número de migrantes que viajam através dos vastos territórios desérticos do Níger para chegar ao norte da África e à Europa não pára de aumentar, tendo alcançado os 200 mil em 2016, segundo estimativas do escritório da Organização Internacional para as Migrações. Outras fontes falam de 10 mil migrantes que atravessam o Níger por semana. A situacão geográfica do Níger é o fator determinante.
Foto: DW/A. Cascais
Agadez, o "olho da agulha"
Agadez, cidade desértica no Níger, é um dos principais pontos de trânsito no Saara para os imigrantes em fuga de nações empobrecidas do oeste da África. As "máfias" do tráfico humano têm beneficiado do caos na Líbia para transportar dezenas de milhares de pessoas para o continente europeu em embarcações precárias. Os migrantes muitas vezes sofrem abusos dos passadores.