Milhões de africanas continuam sem acesso à Internet
28 de agosto de 2019A senegalesa Aissata Fall tem um smartphone, mas nunca o usa para navegar na Internet. Para ela, a Internet móvel é uma faca de dois gumes: "É verdade que o smartphone é uma ferramenta indispensável, tanto profissionalmente como no contacto com familiares e amigos". Mas muitas mulheres não têm dinheiro para aceder à Internet. E há outro motivo: "Se uma mulher casada como eu, por exemplo, recebe certas mensagens ou fotos, isso pode levar a problemas com um marido ciumento", conta Aissata Fall em entrevista à DW.
Há muitas mulheres como ela em África. Ainda há 200 milhões de africanas sem acesso à Internet e apenas duas em cada três mulheres têm um telemóvel. Menos de uma em cada três usa dados móveis regularmente. Já sete em cada dez homens utiliza-os com frequência.
A desigualdade entre os géneros em relação ao uso da Internet - que em linguagem técnica se denomina "Mobile Internet Gender Gap" (MIGG, na sigla em inglês) - é de 41%.
Homens mais ligados à Internet
A advogada Yalwati Shuaibu, da Nigéria, também só usa o smartphone para ler e-mails de trabalho. "Assim que chego a casa, só cuido da minha família e não uso mais a Internet", conta. "Na minha região, as mulheres normalmente não usam o telemóvel para aceder à Internet. A maioria não tem um smartphone. Os homens usam os telemóveis para ter acesso à Internet mais do que as mulheres por muitas razões: têm mais compromissos e estão sempre em movimento."
De onde vem essa grande diferença? Um relatório da associação comercial GSMA, que reúne operadoras móveis de todo o mundo, cita quatro causas: falta de conhecimentos sobre Internet e alfabetização, falta de acesso a dados móveis, conteúdos relevantes e segurança. "A educação digital é necessária para usar um telemóvel e muitas mulheres estão atrás dos homens em termos de alfabetização", explica Agnes Odhiambo, especialista em direitos da mulher da Human Rights Watch (HRW).
"Além disso, telemóveis e pacotes de dados não são propriamente baratos. Uma mulher numa aldeia no Quénia prefere comprar uma cabra para a família a comprar um smartphone", lembra a especialista.
A moçambicana Irene Lourenço Paulino, de Quelimane, também gostava de usar a internet. Em Moçambique, menos de metade das mulheres têm um smartphone e apenas uma em cada dez navega na Internet. "Eu não uso a Internet, apesar de ter um telemóvel que permite usar Internet, porque estão muito elevados os megabytes", diz a estudante de 21 anos. "Eu gostava de descarregar livros, mas isso é impossível porque o volume de dados é muito caro", lamenta.
Milhões de oportunidades
E também há restrições sociais: em alguns lugares, ter um smartphone é considerado inadequado e muitas mulheres não podem comprar crédito para os telemóveis sozinhas. "E nas áreas rurais em África, muitas vezes não há eletricidade. As mulheres que trabalham no campo têm de ir buscar água e cuidar dos filhos e, muitas vezes, não têm tempo para andar mais de três horas para recarregar o telefone", lembra a ativista Agnes Odhiambo.
Quer seja para procurar emprego, pesquisar ou vender, o acesso à Internet é essencial em termos económicos. Se tanto homens como mulheres em todo o mundo usassem a Internet móvel, o Produto Interno Bruto global poderia aumentar para 700 mil milhões de dólares (cerca de 628 mil milhões de euros), segundo cálculos da GSMA.
África também oferece grandes oportunidades: no ano passado, as tecnologias e os serviços móveis renderam ao continente cerca de 99 milhões de euros. Trabalham neste setor três milhões de pessoas.
E há outras questões além da económica. "Moçambique realiza eleições este ano e a Internet móvel pode ser um mecanismo de comunicação com comunidades, de comunicação com mulheres, para explicar do que se trata, qual a importância de participar em processos eleitorais democráticos e de que forma as comunidades e as mulheres podem envolver-se na tomada de decisões. E isso pode ajudá-las a responsabilizar os seus líderes", afirma a moçambicana Graça Samo, coordenadora do Secretariado Internacional da Marcha Mundial das Mulheres.
Educação contra a desigualdade de género
A GSMA tem várias ideias para combater a desigualdade de género. Os governos devem estabelecer metas claras para que mais mulheres tenham acesso à Internet. Além disso, é preciso mais formação e produtos mais adequados às mulheres e às suas possibilidades financeiras.
No Gana, a ONG "Africa ICT Right" lançou um programa para motivar as raparigas a estudar tecnologias da informação e comunicação. Além disso, com a ajuda de operadoras locais, a organização luta para que mais mulheres em comunidades rurais tenham telemóveis.
"É importante que as mulheres tenham acesso a telemóveis e à Internet. Vivemos na era digital, informação é poder", sublinha a ativista dos direitos das mulheres Agnes Odhiambo, da HRW. Porque o futuro está cheio de oportunidades para as mulheres africanas.
Colaboraram neste artigo: Mamadou Alpha Diallo, Marcelino Mueia e Zainab Rabo