Milhares de pessoas celebram saída do Burundi do TPI
AFP | Lusa
28 de outubro de 2017
O Burundi tornou-se o primeiro país a retirar-se do Tribunal Penal Internacional, criado há 15 anos, em Haia, na Holanda, para perseguir os autores das piores atrocidades no mundo.
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Respondendo ao apelo do Governo, milhares de pessoas comemoraram um pouco por todo o país a retirada do Burundi do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Na capital, Bujumbura, cerca de cinco mil pessoas saíram à rua, cantando e dançando, ao lado de centenas de bicicletas táxi, moto-táxis e "tuk-tuk".
Os manifestantes fizeram uma marcha passando pelas embaixadas do Ruanda, Bélgica e União Europeia, entoando frases como "Adeus TPI", "o Burundi escreve uma das páginas mais gloriosas da história mundial" e "o Burundi é um exemplo para África".A marcha terminou na Praça da Independência. Segundo a rádio nacional, houve manifestações semelhantes nas capitais das 17 províncias do país.
A retirada foi oficializada esta sexta-feira (27.10), exatamente um ano depois do Burundi ter notificado formalmente as Nações Unidas da decisão de se retirar do único tribunal permanente que julga crimes de guerra.
As autoridades cumpriram assim a decisão, depois de acusarem o TPI de "neocolonialismo" e de perseguir "injustamente" os líderes africanos.
Crimes contra a humanidade no Burundi
No entanto, continua em curso um inquérito, lançado em abril de 2016, pela procuradora-geral do TPI, Fatou Bensouda, na sequência de relatos de homicídios, prisões, tortura, violações e outros crimes sexuais assim como casos de desaparecimentos forçados no Burundi.
Em setembro último, as investigações da Organização das Nações Unidas (ONU) confirmaram que se tinham verificado crimes contra a humanidade no país, desde 2015.
Segundo a organização Human Rights Watch, a retirada do Burundi do TPI é mais "uma tentativa" do Governo de Pierre Nkurunziza para "proteger os responsáveis por graves violações de direitos humanos".
O Burundi está mergulhado numa grave crise desde que o Presidente Pierre Nkurunziza anunciou, em abril de 2015, a sua candidatura a um terceiro mandato, que viria a vencer na controversa eleição boicotada pela oposição, em julho desse ano.
Segundo dados da ONU e de organizações não-governamentais, a violência no país já causou entre 500 e dois mil mortos, centenas de desaparecimentos forçados e torturas e obrigou mais de 400 mil burundeses ao exílio.
O Burundi era membro do TPI desde 2004. África do Sul e Gabão já ameaçaram que seguiriam o exemplo do Burundi, mas reverteram a decisão. O Quénia e Uganda também ameaçaram retirar-se. A Zâmbia realizou uma consulta pública: 93% dos eleitores optaram por permanecer no TPI.
Burundi: uma cronologia da crise
Em julho de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza candidatou-se a um terceiro mandato, dando espaço a uma profunda instabilidade no país. Possível solução da crise, que já deixou milhares de mortos, não está à vista.
Foto: Getty Images/AFP/C. Ndegeya
Julho de 2015: eleições tensas
O anúncio em abril de que o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, concorreria a um terceiro mandato à revelia da Constituição, gerou um confronto amargo entre apoiantes e opositores do governo. Em três meses, mais de 80 pessoas foram mortas. Muitos dissidentes e jornalistas deixaram o país. As eleições em 21 de julho de 2015 foram boicotadas pela oposição.
Foto: Reuters/E. Benjamin
Julho de 2015: Agathon Rwasa – um perdedor?
Em 24 de julho, foi anunciado que o líder da oposição, Agathon Rwasa, perdera as eleições. Nkurunziza foi escolhido como novo Presidente com 69% dos votos. Dias depois, Rwasa foi nomeado vice-presidente da Assembleia Nacional. Antigos aliados apelidaram-no de "traidor".
Foto: Reuters/M. Hutchings
Agosto de 2015: general é morto
Em 1 de agosto, o general Adolphe Nshimirimana, responsável pela segurança pessoal do Presidente, foi morto num atentado na capital Bujumbura. A União Europeia demonstra preocupação com a "perigosa escalada de violência" e pede "contenção" e retomada do diálogo. Em provável retaliação à morte do general, o ativista Pierre-Claver Mbonimpa foi alvo de uma tentativa de assassinato em 3 de agosto.
Novembro de 2015: tensões entre Burundi e o Ruanda
Desde o início da crise, milhares de cidadãos do Burundi refugiaram-se no Ruanda. Em 6 de novembro, o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, criticou a situação de violência e instabilidade no país vizinho. "Vocês devem tirar lições do que aconteceu no Ruanda", declarou em referência ao genocídio de 1994. Nkurunziza acusa o governo ruandês de recrutar burundeses para causar mais problemas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Kagire
Dezembro de 2015: escalada da violência
Em 12 de dezembro, mais de 100 pessoas foram mortas em confrontos. Os assassinatos de autoria desconhecida seriam uma resposta aos ataques coordenados contra três bases militares no dia anterior. "Quando um conflito irrompe em grande escala, não podemos fingir que nada aconteceu", afirmou Adama Dieng, relator especial das Nações Unidas sobre prevenção do genocídio.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Dezembro de 2015: novo movimento rebelde
Um dia antes do Natal, o ex-oficial do exército Edouard Nshimirimana proclamou a formação de um novo grupo rebelde. As "Forças Republicanas do Burundi" têm o objetivo de derrubar Nkurunziza. O militar acusou o Presidente de utilizar a força e de colocar a polícia e o exército um contra o outro.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pfister
Dezembro de 2015: tentativas de mediação
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, inaugurou em 28 de dezembro negociações de paz entre a oposição e o governo do Burundi. A União Africana decidiu enviar oito mil soldados ao país. Nkurunziza recusa-se a dialogar com a CNARED, a coligação da oposição. A ONU anunciou a abertura de investigações para apurar alegadas violações de direitos humanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Wandera
Abril de 2016: ONU denuncia tortura
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, denunciou a prática de tortura rotineira nas prisões do Burundi. Desde o início do ano, foram 354 casos. O Governo do Burundi deve "acabar com as práticas inaceitáveis e ilegais imediatamente", afirmou Al Hussein.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Campardo
Maio de 2016: CNARED de fora
Em 21 de maio, começam as negociações de paz em Arusha, na Tanzânia. O ex-presidente tanzaniano, Benjamin Mkapa, atua como mediador. A coligação de grupos da oposição CNARED não é convidada, sob pena de o Governo do Burundi deixar as conversações.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Junho de 2016: críticos pagam preço elevado
Em 3 de junho, onze estudantes da cidade de Muramvya foram presos por rabiscar uma foto de Nkurunziza num livro escolar. O caso gerou revolta entre ativistas de direitos humanos. Anteriormente, 300 alunos já tinham sido expulsos das aulas em Ruziba pelo mesmo motivo.
Foto: DW
Julho de 2016: ex-ministra é morta
A morte de Hafsa Mossi, ex-ministra e confidente do presidente Nkurunziza, em 13 de julho, cria ainda mais tensão no Burundi. A ex-jornalista era membro do partido no poder, CNDD-FDD, e trabalhou como assessora de comunicação para o chefe de Estado. Pela primeira vez, um político do alto escalão do governo é assassinado em Bujumbura.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Julho de 2016: um assento vazio em Kigali
A crise no Burundi foi um dos temas de discussão da 27ª Cimeira da União Africana, realizada em Kigali, no Ruanda. A delegação do Burundi não participou nas discussões, porque pediu licença pouco antes da reunião. Os chefes de governo e de Estado da União Africana não chegaram a um acordo sobre a imposição de sanções. Falta vontade de Nkurunziza para negociar a saída do impasse.