Marchas decorrem na capital Cartum e em cidades vizinhas. Manifestantes exigem do Conselho Militar de Transição a transferência do poder para os civis. Líderes dos protestos relatam episódios de violência.
Manifestantes em marcha na capital CartumFoto: Getty Images/AFP/E. Hamid
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Dezenas de milhares de pessoas marcham este domingo (30.06) em Cartum, a capital do Sudão, e em outras cidades do país exigindo a transferência do poder pelos militares para os civis. O protesto foi convocado por estudantes universitários da coalizão das Forças para a Liberdade e Mudança (FFC).
Os manifestantes ecoam a palavra "Madaneeya", que significa "civil", e seguem em diferentes grupos às casas de sudaneses que foram mortos em confrontos com os militares. A presença de forças de segurança é massiva.
Imagens de vídeo mostram participantes da marcha na capital sudanesa a correr das forças de segurança, que disparam bombas de gás lacrimogéneo perto do Palácio Presidencial. Mohammed Yousef al-Mustafa, porta-voz da Associação de Profissionais Sudaneses (SPA), disse à agência de notícias Associated Press (AP) que gás lacrimogéneo também foi disparado na cidade de Omdurman.
Forças de segurança lançaram gás lacrimogéneo contra os manifestantesFoto: AFP/A. Shazly
Em Atbara, outra cidade próxima à capital, o Comité de Médicos Sudaneses, o braço médico da SPA, informou que um jovem manifestante de 20 anos foi morto a tiros. Khaled Mohi, um membro do comité, informou que um manifestante foi ferido em Cartum.
As marchas marcam o 30º aniversário do golpe de Estado que garantiu, em 1989, a chegada ao poder do antigo Presidente Omar al-Bashir, que foi destituído pelos militares a 11 de abril deste ano depois de protestos contínuos da sociedade civil contra o Governo, iniciados em dezembro de 2018.
Desde abril, a contestação exige a entrega do poder aos civis, mas o Conselho Militar de Transição liderado pelo general Abdel-Fattah Burhan ainda não cedeu. As negociações foram suspensas a 20 de maio por falta de acordo. A 3 de junho, protestos foram duramente reprimidos pelos militares, deixando pelo menos 128 mortos.
Acordo à vista?
O general Mohamed Hamdan Dagalo, vice-presidente do Conselho Militar de Transição, afirmou a apoiantes que os militares querem alcançar um "acordo urgente e abrangente". "Nós do Conselho Militar somos totalmente neutros. Nós somos os guardiões da revolução. Nós não queremos fazer parte de nenhuma disputa", declarou.
Mais de um milhão de pessoas foram convocadas para a marcha deste domingoFoto: AFP
Segundo Mohamed Hamdan Dagalo, membros de três tropas das Forças de Apoio Rápido (FAR), grupo paramilitar ligado ao Conselho Militar no poder no Sudão, ficaram feridos durante os protestos em Cartum.
Às vésperas da marcha convocada para este domingo, o Conselho Militar de Transição advertiu que grupos opositores serão responsabilizados por qualquer morte ou danos materiais causados pelos protestos em massa. O vice-chefe do Conselho Militar alertou sobre alegados "vândalos" com uma "agenda oculta" que podem tentar tirar vantagem dos protestos.
A União Europeia (UE) defendeu o direito do povo sudanês de protestar e expressar suas opiniões, direito que é assegurado pelo União Africana (UA). O Departamento de Estado norte-americano pediu ao Conselho Militar que permita os protestos pacíficos e evite usar "qualquer tipo de violência" contra os sudaneses.
Mediadores liderados pela UA e o Presidente da Etiópia, Abiy Ahmed, estão a tentar promover o diálogo entre as partes. Na sexta-feira passada (28.06), o Conselho Militar disse que a proposta submetida pelos mediadores a 27 de junho era adequada para a retomada das negociações com os líderes dos protestos.
O povo contra o exército - Cronologia da luta pelo poder no Sudão
A evacuação violenta de um campo de protesto na capital sudanesa, Cartum, exacerbou as tensões entre manifestantes e militares. A luta pelo poder documentada em imagens.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Protesto
Durante semanas, manifestantes sudaneses resistiram diante do Ministério da Defesa. Milhares exigiram um conselho de transição que incluísse civis, para poderem também decidir sobre o futuro do país. No início de junho, os militares atacaram violentamente os manifestantes. Dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Em nome da nação
Um manifestante com a bandeira nacional perto do quartel-general do exército. A bandeira representa a exigência dos manifestantes de civis nos comandos para moldarem o futuro do país juntamente com os militares. A acontecer, este seria um passo importante para a democracia.
Foto: Reuters
Sinais de alarme
Os militares aumentaram massivamente a presença nas ruas, nos dias que antecederam o massacre no início de junho. Muitos manifestantes interpretaram a situação como prova de que o exército não queria abandonar o poder. Mas esta tinha sido a grade esperança de muitos sudaneses após a queda do ditador Omar al-Bashir.
Foto: Getty Images/AFP
Uma era chega ao fim
Omar al-Bashir governou o Sudão desde 1993 até sua queda, em abril de 2019. Os seus críticos foram violentamente reprimidos. Para manter o poder, al-Bashir chegou a dissolver o Parlamento, em 1999. Na mesma altura, concedeu asilo ao líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Acima de tudo, porém, o seu nome continua associado à guerra sangrenta contra os separatistas na província de Darfur.
Foto: Reuters/M. Nureldin Abdallah
Ditador em tribunal
Ver o ditador em tribunal era um sonho antigo de muitos sudaneses. A 16 de junho, Omar al-Bashir apareceu no processo contra ele instaurado. Para já, é acusado de corrupção e posse ilegal de moeda estrangeira. Depois da sua queda, a polícia encontrou na sua residência sacos de dinheiro no valor de mais de cem milhões de dólares.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Hjaj
As mulheres querem ser ouvidas
Muitas mulheres participaram nos protestos. As mulheres no Sudão sempre beneficiaram de uma liberdade relativamente significante. Agora, não só reforçam quantitativamente as manifestações, como também lhes dão um rosto diferente. A sua presença expressa o desejo de democracia e igualdade de muitos cidadãos.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Ícone da revolução
A estudante de arquitetura Alaa Salah tornou-se a face da revolução. Quando subiu ao telhado de um carro em abril para falar com os manifestantes, um fotógrafo atento fez esta imagem. Desde então, ela tem sido partilhada inúmeras vezes nas redes sociais. Fotos como estas tornaram-se uma parte importante da revolução, porque convidam os cidadãos a identificarem-se com os protestos.
Foto: Getty Images/AFP
Solidariedade internacional
Graças às plataformas sociais online, a notícia dos protestos no Sudão rapidamente correu o mundo. E logo mereceram apoio internacional, como aqui em Edimburgo, Escócia. Recentemente os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia também se fizeram ouvir: "A UE apela ao fim imediato de toda a violência contra o povo sudanês", disseram numa declaração oficial.
No entanto, a oposição ao exército no poder não é consensual. Muitos sudaneses apoiam os militares, porque acreditam que só uma governação autoritária pode conduzir o país a um futuro próspero. Os apoiantes dos militares consideram que o General Abdel Fattah Burhan, presidente do Conselho Militar, representado no cartaz, reúne as condições para cumprir a tarefa.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
À espera
Mas a eminência parda General Mohammed Hamdan Daglu, conhecido por Hemeti, é tido como o homem forte do regime de transição. Daglu comandou a tropa que reprimiu os protestos em frente ao quartel-general militar. Durante a guerra do Darfur, liderou as milícias Janjaweed, que combateram brutalmente os rebeldes. Os manifestantes temem que ele possa vir a ser o novo governante do país.
Foto: Reuters/M.N. Abdallah
O Golfo preocupado
Políticos de outros países árabes também olham com nervosismo para o Sudão. Por exemplo, Mohamed bin Zayad al-Nahyan, o Príncipe Herdeiro dos Emirados Árabes Unidos. Tal como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos temem que o protesto possa ser um exemplo de uma revolução popular bem-sucedida na região, pondo em questão governos autoritários. Ambos os países apoiam os militares sudaneses.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Ministry of Presidential Affairs/M. Al Hammadi
Os vizinhos a norte
Também no Cairo se olha com preocupação para Cartum. O Governo do Presidente Abdel-Fattah al-Sisi receia que a Irmandade Muçulmana possa ganhar influência no Sudão - precisamente o grupo contra o qual o Governo egípcio está a agir com todas as suas forças no seu próprio país. Se a Irmandade Muçulmana se estabelecesse no Sudão, poderia, a partir daí, voltar a exercer uma forte influência no Egito.
Foto: picture-alliance/Photoshot/MENA
Protestos sem fim à vista
No Sudão prosseguem os protestos. No dia 14 de junho, Sadiq al-Mahdi, uma das principais figuras da oposição do país durante décadas, exigiu uma investigação da evacuação violenta do campo de protesto. É algo que não pode agradar aos militares. As tensões poderão voltar a agravar-se.