Milhares protestam contra revisão da Constituição no Mali
AFP | mjp
17 de junho de 2017
Oposição e sociedade civil estão contra o referendo sobre a revisão constitucional previsto para 9 de julho. Temem aumento de poderes do Presidente e afirmam que este não é o momento de rever a Constituição.
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Milhares de pessoas manifestaram-se este sábado (17.06) em Bamako contra um referendo sobre um projeto de revisão da Constituição previsto para 9 de julho. O protesto foi convocado pela oposição e organizações da sociedade civil.
Durante uma marcha de 10 quilómetros, os manifestantes – cerca de 300 mil, segundo os organizadores e 9 mil, segundo a polícia – gritaram palavras de ordem como "não à revisão da Constituição” e "não toquem na minha Constituição”, vestindo t-shirts e bonés vermelhos, em sinal de revolta.
Segundo a polícia, não se registaram quaisquer incidentes na manifestação. Um protesto anterior contra a revisão constitucional, a 8 de junho, juntou cerca de cem pessoas na capital maliana e foi dispersado pelas forças de segurança.
Demasiado poder para o Presidente?
A revisão da Constituição de 1992, a primeira em 25 anos, visa "pôr em prática alguns compromissos do Acordo de paz e reconciliação do Mali” assinado entre maio e junho de 2015 entre o Governo e a ex-rebelião maioritariamente tuaregue, no norte do país. A revisão prevê a criação de um Senado e de um Tribunal de Contas.
Entre outras críticas, a oposição e a sociedade civil condenam o facto de o projeto dar ao Presidente Ibrahim Boubacar Keita a responsabilidade de nomear um terço do Senado que vai substituir o Alto Conselho das Coletividades e designar o presidente do Tribunal Constitucional.
"A nova Constituição dá demasiados poderes ao Presidente da República”, diz Oumar Diallo, um responsável da sociedade civil presente na marcha. "Como é que poder organizar um referendo numa altura em que parte do território está ocupada?”, pergunta Diallo, referindo-se às zonas do norte e centro do país vítimas de ataques de extremistas islâmicos ou onde o Estado maliano ainda não conseguiu firmar a sua presença.
"Com estas dezenas de milhares de manifestantes, isto é um verdadeiro cartão vermelho para o Governo, que deve voltar atrás neste projeto de Constituição”, diz, por sua vez, Djiguiba Keita, um dirigente da oposição.
Alvo de radicais islâmicos
O último acto eleitoral do Mali, as eleições autárquicas, foram adiadas várias vezes antes de terem lugar em novembro de 2016 em apenas parte do território, devido à violência no país, particularmente no norte.
O norte do Mali caiu em 2012 nas mãos de grupos radicais islâmicos ligados à Al-Qaeda que foram mais tarde expulsos por militares de uma operação francesa lançada em janeiro de 2013. No entanto, várias zonas continuam fora do controlo das forças malianas, francesas e da ONU e são regularmente palco de ataques, apesar da assinatura do acordo de paz, cujo objetivo é isolar definitivamente os extremistas.
Este sábado, cinco soldados malianos morreram e oito ficaram feridos no mais recente ataque dos radicais islâmicos a um campo militar no norte do país.
Conservar os manuscritos de Tombuctu
A invasão islamita no norte do Mali pôs em risco de destruição milhares de documentos históricos. Estes foram salvos por Abdel Kader Haidara, feito pelo qual a Alemanha lhe outorgou o Prémio de África na edição de 2014.
Foto: DW/P. Breu
Tesouros históricos
Os manuscritos de Tombuctu são documentos históricos sem preço, que relatam a busca pelo conhecimento no mundo islâmico há muitos séculos. Tombuctu foi, em tempos, o centro islâmico da pesquisa e erudição em África.
Foto: DW/P. Breu
Contrabandeados em caixas de chumbo
Quando os islamitas começaram a destruir monumentos no norte do Mali em 2012, um grupo de cidadãos consternados transportou clandestinamente centenas de milhares de manuscritos de Tombuctu para a capital maliana, Bamako, no sul do país. Aqui foram depositados num edifício de residências, para aguardar a restauração e digitalização.
Foto: DW/P. Breu
O salvador dos manuscritos
Abdel Kader Haidara organizou a operação de resgate. O proprietário de uma biblioteca não só se preocupou em salvar os seus próprios manuscritos, mas também todos os documentos históricos de Tombuctu em risco de destruição.
Foto: DW/P. Breu
Nasce uma biblioteca digital
Os manuscritos estão agora a ser digitalizados na biblioteca de Bamako. Cada página é fotografada individualmente. A imagem é controlada e depois catalogada num arquivo central. O gigante da internet, Google, já manifestou interesse na coleção.
Foto: DW/P. Breu
Acesso geral aos manuscritos
A digitalização tem dois objetivos: preservar os manuscritos para a posteridade, caso os originais não resistam à humidade e ao calor de Bamako. E garantir o acesso a todos os interessados. Antes do conflito armado no norte e do resgate dos documentos não existia qualquer plano para os digitalizar.
Foto: DW/P. Breu
Caixas feitas à medida
Depois de serem digitalizados, os manuscritos são colocados em caixas de cartão isentas de ácidos. Aqui podem ser guardados para a posteridade. Uma vez que os manuscritos não têm todos o mesmo tamanho, as caixas tiveram que ser produzidas em trabalho manual.
Foto: DW/P. Breu
Uma biblioteca vazia
Na Biblioteca Comemorativa de Mamma Haidara, em Tombuctu, não há um único livro. E não é certo que a biblioteca volte a albergar documentos históricos no futuro. Muitos responsáveis acreditam que os documentos estão a salvo em Bamako. Mas também há quem receie pela identidade histórico-cultural de Tombuctu, caso os manuscritos não regressem a casa.
Foto: DW/P. Breu
Biblioteca em ruínas
O Instituto Ahmed Baba Institute foi criado com capitais da Fundação Aga Khan, África do Sul e Arábia Saudita. Para além de albergar a biblioteca, também tinha equipamento para a digitalização e restauração. Hoje, o instituto está vazio e dilapidado.
Foto: DW/P. Breu
Monumento aos manuscritos perdidos
Quando chegaram a Tombuctu, os islamitas deitaram fogo a muitos manuscritos no pátio do Instituto Ahmed Baba. Pretendiam assim demonstrar o seu poder ao ocidente e à UNESCO. Cerca de 4000 manuscritos foram destruídos. Os restos queimados servem hoje de memorial ao património perdido.
Foto: DW/P. Breu
Tombuctu vai cair na insignificância?
Quando Tombuctu perdeu a sua importância económica no século XX, descobriu o turismo como fonte de receitas alternativa. Mas o conflito de 2012 espantou os turistas, pelo que Tombuctu corre agora o perigo de perder também a sua relevância cultural, tanto mais que já não tem os manuscritos. E ninguém sabe se eles vão regressar.
Foto: DW/P. Breu
Sobram alguns manuscritos
Ainda existem algumas bibliotecas privadas. Mas em Timbuktu já é considerada uma biblioteca uma dúzia de páginas que cabem numa pele de carneiro. Este habitante de Timbuktu herdou alguns manuscritos do seu avô. É o que possui de mais valioso.
Foto: DW/P. Breu
Um futuro incerto
A situação política no Mali é tensa, e o exército maliano é demasiado fraco para garantir a estabilidade e segurança. Muitos habitantes de Tombuctu que fugiram da cidade optaram por não regressar. Eles não confiam na paz precária e a sua cidade enfrenta um futuro incerto.