Osvaldo Caholo, o único militar no caso dos 17 ativistas angolanos condenados em 2016 por "atos preparatórios de rebelião", diz que as Forças Armadas impedem-no de exercer as suas funções, apesar de ter sido amnistiado.
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Osvaldo Caholo está em liberdade desde julho de 2016, tal como os outros ativistas do processo 15+2 que também foram condenados a penas entre dois anos e três meses a oito anos e meio de prisão e foram posteriormente amnistiados pelo Tribunal Supremo.
No entanto, desde essa altura, o militar Caholo é o único que não recebe os seus vencimentos desde julho de 2015, um mês depois da sua detenção. Os outros arguidos conseguiram voltar a trabalhar em instituições do Estado.
O jovem tenente está também impedido de entrar em qualquer unidade militar do país, apesar de ter sido colocado na reserva pela Direção de Pessoal e Quadros das Forças Armadas Angolanas. De acordo com as normas militares em Angola, quando a tropa é licenciada para a reserva é automaticamente incorporada na Polícia Nacional, lembra Osvaldo Caholo, que fazia parte da Força Área Nacional.
Caholo lembra que outros elementos das Forças Armadas Angolanas (FAA) nessa condição nunca deixaram de receber salários. "Todos os militares licenciados para a reserva tiveram transição automática para a Polícia Nacional", sublinha. "Há uma falsa justificação de que ele não pertencia ao quadro de carreira permanente, pertencia ao serviço militar obrigatório, e isso é verdade, mas só que todos aqueles que ingressaram comigo nas FAA, exceto os homens da aviação, até hoje fazem parte do serviço militar obrigatório. Porque é que não estão na reserva?", questiona.
"Será que os marimbondos ainda decidem?"
Impedido de exercer as suas funções, o jovem depende da ajuda de parentes para se sustentar. Antes também era investigador e docente de História de África e Relações Internacionais Africanas na Universidade Técnica de Angola. Mas com a politização do processo 15+2, também foi afastado daquela instituição de Ensino.
Militar dos 15+2 queixa-se de represálias do Estado angolano
Ao atual chefe de Estado e comandante em chefe das FAA, João Lourenço, Osvaldo Caholo pergunta: "Será que os marimbondos ainda decidem sobre esta questão? E se não decidem, será que o Presidente da República pertencente à mesma família política dos marimbondos, nutre o mesmo sentimento de ódio e vingança contra a minha pessoa como os marimbondos nutriam? Se é preciso corrigir o que está mal, tem aqui uma oportunidade para se corrigir."
A situação do jovem ativista tem mobilizado alguns angolanos. Recentemente alguns populares realizaram uma vigília em Luanda para exigir que as Forças Armadas resolvam o problema. Sob o lema "devolvam o meu salário" decorre também uma campanha de recolha de assinaturas para uma petição pública a favor do caso de Osvaldo Caholo.
Protestos no Palácio Presidencial
A DW contactou as autoridades angolanas para falarem sobre o caso, mas não obteve qualquer resposta. Se o silêncio se mantiver, haverá uma onda de protestos que vai culminar com uma vigília nas imediações do Palácio Presidencial, promete Leonardo Ngola, um dos promotores do abaixo-assinado a favor do jovem tenente na reserva.
"Caso não se resolva a situação de Osvaldo Caholo na primeira tentativa, as vigílias vão ser recorrentes até culminar com uma marcha em direção ao Palácio, ou mesmo um acampamento no Palácio", avisa Leonardo Ngola.
As t-shirts do julgamento dos 15+2
O julgamento dos ativistas angolanos acusados de prepararem uma rebelião iniciou na segunda-feira (16.11). Ao mesmo tempo, começou um desfile de t-shirts de protesto, dentro e fora do tribunal. Veja as fotos do processo.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir"
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro", afirmou o ativista Luaty Beirão no primeiro dia do julgamento. Luaty e outros 16 ativistas são acusados de prepararem uma rebelião contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Defensores dos direitos humanos dizem que o caso tem motivações políticas. Em protesto, um ativista escreveu na farda prisional: "Recluso do Zédu".
Foto: DW/P.B. Ndomba
Presunção da inocência
Outro ativista escreveu na farda prisional "in dubio pro reo [princípio da presunção da inocência]. Nenhuma ditadura impedirá o avanço de uma sociedade para sempre." Ele é um dos 15 jovens detidos desde junho. Até à detenção, os ativistas costumavam encontrar-se aos sábados; um dos tópicos dos debates semanais era o livro "Da Ditadura à Democracia", do académico norte-americano Gene Sharp.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Nova acusação por causa das t-shirts?
À acusação que os ativistas angolanos já enfrentam, de alegados atos preparatórios para uma rebelião, poderá agora somar-se uma outra: a do crime de danos, por escrever frases de intervenção na farda dos serviços prisionais. A informação foi avançada por David Mendes, um dos advogados dos jovens.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Mais t-shirts fora do tribunal
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
#LiberdadeJa
Sem t-shirts feitas para a ocasião, mas com cartazes, houve ainda quem pedisse "liberdade já!" para os ativistas angolanos, no exterior da 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda. Essas são também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
Método n.º 159
Luaty Beirão (ao centro) é outro dos 15 jovens detidos desde junho. Ele cumpriu 36 dias de greve de fome em protesto contra o excesso de prisão preventiva dos ativistas. Com a greve de fome de Luaty, o caso ganhou proporções internacionais. Jejuns e greves de fome estão listados no livro "Da Ditadura à Democracia" como o método n.º 159 de "intervenção não violenta".
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Sala de imprensa improvisada
O julgamento dos 15+2 é tido como um dos casos mais mediáticos da história de Angola. No entanto, os jornalistas ficam à porta. O tribunal autorizou-os a estar na sala de audiências para assistir às primeiras horas do julgamento, mas agora só poderão voltar a entrar na fase das alegações finais e na leitura do acórdão. Diplomatas estrangeiros também não puderam entrar.
Foto: DW/P.B. Ndomba
"Momento decisivo"
Estava previsto que o julgamento dos 15+2 terminasse esta sexta-feira, 20 de novembro, mas deverá prolongar-se. Segundo a organização de direitos humanos Human Rights Watch, este caso é um "momento decisivo" para o sistema judicial de Angola: "Os juízes angolanos devem demonstrar independência e não permitir que este julgamento seja manipulado como um instrumento para silenciar as vozes críticas."