Irá a justiça moçambicana ouvir responsáveis de empréstimos?
25 de abril de 2016 Os empréstimos poderão deixar Moçambique completamente dependente de instituições financeiras e doadores internacionais, e por isso debaixo da sua batuta. Foram contraídos durante os mandatos do ex-Presidente Armando Guebuza, quando o atual chefe de Estado Filipe Nyusi era ministro da Defesa e Manuel Chang tinha a pasta das Finanças.
Parte desse dinheiro, avaliado em 1,35 mil milhões de dólares, terá sido usada para a compra de equipamento militar, portanto, um dossiê que não será completamente estranho ao atual Presidente do país.
O Fundo Monetário Internacional manteve conversações, na semana passada, com uma delegação técnica do Governo de Moçambique, em Washington, a fim de esclarecer as dívidas de empresas públicas do país, que terão sido escondidas aos investidores.
No entanto, escasseiam esclarecimentos do Governo e quando surgem são, às vezes, contraditórios. Por outro lado, o Parlamento, dominado pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) recusou-se a pedi-los quando exigido pela oposição.
Face à falta de transparência e omissões, será caso já para o Ministério Público (MP) ouvir os responsáveis por essas transações? “Sim, há condições para que se investigue”, responde Ericino de Salema, jurista e jornalista moçambicano.
“Tratando-se de indícios do cometimento de crimes públicos, como parece ser o caso de abuso de poder e de cargo, há espaço para que o MP, enquanto titular da ação penal em Moçambique, conforme a Constituição e o próprio Código de Processo Penal, empreenda esforços no sentido de investigar aquilo que eventualmente terá acontecido, numa perspetiva jurídico-criminal", detalha o jurista.
Mais precisamente, "o estatuto legal do MP, aprovado pela lei nº 22/2007, diz que qualquer indício de crime público que seja reportado pelos média tem que ser motivo bastante para que o MP, a partir dali, enquanto titular da ação penal, inicie uma investigação", acrescenta Ericino de Salema.
O jurista lembra que as consequências dos empréstimos duvidosos podem comprometer gerações vindouras. Também a justiça pode comprometer o futuro do país se continuar a mostrar-se cega e inativa perante casos suspeitos, como tem sido frequente até agora.
Justiça atada por laços partidários
De lembrar que cargos como o de procurador-geral da República são nomeados pelo chefe de Estado e logo fica subjacente a confiança política na sua indicação e, consequentemente, uma aparente relação de subserviência.
Por exemplo, a atual procuradora-geral, Beatriz Buchili, foi nomeada pelo ex-Presidente Armando Guebuza.
Considerando esses pressupostos, teria o MP a ousadia de abrir uma investigação contra os responsáveis dos empréstimos? "Tenho muito pouca esperança de que haverá algo que poderá ser investigado de forma séria e profunda", responde Ericino de Salema, jurista e jornalista moçambicano.
“A economia política da constituição desses órgãos vai no sentido de nada fazerem nessas situações. E se [o MP] fizer, o que é muito improvável, há de ser somente para inglês ver, como se diz na gíria popular", considera o jurista.
"Em boa verdade, tudo deverá depender do Presidente da República, Nyusi, de conceder as garantias necessárias à procuradora-geral da República de que tem de investigar. É óbvio que ela poderá naturalmente investigar. Mas numa perspetiva de economia política é muito complicado, porque é do partido FRELIMO que as pessoas são nomeadas”, comenta Ericino de Salema.
População quer sair à rua
Quem está revoltada com os sucessivos escândalos financeiros é a população que exige esclarecimentos e já convocou até manifestações nas redes sociais. Mas os protestos ainda não têm cara e desconhece-se, para já, se foram autorizados.
“A gota está a fazer transbordar o copo" admite o filósofo moçambicano Severino Ngoenha.
"As pessoas até agora assistiram, controladas pelo medo e pela confiança. Mas, a confiança perdeu-se completamente e o medo, a pouco e pouco, vai-se dissipando. E as consequências podem ser manifestações, mas não se sabe até onde podem chegar as consequências" de um povo exausto, afirma o filósofo.
"Neste momento, nunca como antes da independência de Moçambique, correram boatos reais de pessoas que querem manifestar-se abertamente de que não têm confiança naqueles que governam”, constata Severino Ngoenha.
No final, as consequências destes negócios custarão aos moçambicanos. E a letargia em que está mergulhada a justiça nacional faz com que o povo se torne juiz de causas, batendo o martelo contra o Governo sem que este tenha a possibilidade de resposta, considera Ericino de Salema.
“O povo já condenou o senhor Armando Emílio Guebuza e o senhor Manuel Chang. E a condenação popular não tem direito a contraditório", avalia o jurista moçambicano.
Antigos dirigentes como "Armando Emílio Guebuza e Manuel Chang correm o risco de serem vaiados e apupados na praça pública, embora eles se possam defender de forma eficaz para ficarem limpos e apesar de ser muito difícil, tendo em conta as suas responsabilidades e o código penal no que diz quanto ao abuso de cargo ou de função”, remata Ericino de Salema.