MISA pede ações contra ataques à liberdade de imprensa
Selma Inocência
14 de fevereiro de 2020
O Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA) de Moçambique condena ataques à liberdade de imprensa, reagindo a comentário nas redes sociais que sugere censura à cobertura sobre violência em Cabo Delgado
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O Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA) emitiu esta sexta-feira (14.02) uma nota de repúdio a uma publicação, no Facebook, que apela à censura de alegadas "notícias miserabilistas" sobre a situação na região.
O comentário é atribuído a Julião Cumbane, o recém-nomeado Presidente do Conselho de Administração do Parque de Ciência e Tecnologia, uma instituição pública, e está a ser entendido pelo MISA como uma ameaça às liberdades de imprensa e expressão. Cumbane teria sugerido às Forças de Defesa e Segurança de Moçambique que combinassem "inteligência" e até ações "extra-legais" contra jornalistas envolvidos na cobertura dos ataques na província nortenha de Cabo Delgado, o que, no entendimento do MISA, é inaceitável num Estado de Direito Democrático.
"O que está a acontecer neste momento é que os jornalistas que pretendem reportar sobre estas situações têm sido vistos como inimigos e são catalogados como sendo pessoas que estão a apoiar as insurgências, o que não constitui a verdade", afirma Ernesto Nhanale, diretor-executivo do MISA, em entrevista à DW África.
Estado deve "garantir acesso à informação"
O Governo anunciou esta semana que mais de 32 mil famílias estão a ser afetadas pela insegurança em Cabo Delgado. Não obstante a situação de emergência, o acesso de jornalistas e pesquisadores ao local tem sido restringido pelas autoridades.
MISA pede ações contra ataques à liberdade de imprensa
"O que nós estamos a apelar é que o Estado possa compreender que, mesmo que o país esteja em crise, é responsabilidade do Estado garantir que os cidadãos tenham acesso à informação de qualidade", diz Nhanale.
O MISA refere no comunicado divulgado esta sexta-feira que a detenção dos jornalistas Amade Abubacar e Estácio Valói, tal como a interdição de investigadores dos direitos humanos para fazer pesquisas nos distritos afetados pela insurgência, é uma violação da Constituição do país.
"Não podemos permitir que os jornalistas estejam a passar por situações de censura, por situações em que são detidos por estarem a fazer o seu trabalho. Tem que ser o Estado a garantir que os jornalistas possam realizar o seu trabalho e que esse trabalho não represente nenhum perigo para a função deles", sublinha o diretor do MISA.
MISA pede ação do Ministério Público
A organização também apela ao Presidente da República que monitorize a conduta de altos funcionários, que no seu entender devem estar em alinhamento com o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado. Ao Ministério Público, pede que averigue o comentário publicado nas redes sociais. E, ao Conselho Superior da Comunicação Social (CSCS), órgão que tutela a salvaguarda das liberdades de imprensa e de expressão, recomenda que "não se mantenha em silêncio em face de situações similares", segundo o comunicado do MISA.
A situação de insegurança nalguns distritos da província de Cabo Delgado começou em outubro de 2017, quando grupos armados atacaram postos policiais e autocarros, matando também civis. O Presidente da República, Filipe Nyusi, já pediu apoio internacional para combater os insurgentes e restabelecer a ordem na região.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.