Escritor apresentou a obra "Os Oito Maridos de Dona Luíza Michaela da Cruz", esta quinta-feira (30.11), na capital alemã. Com romance histórico, autor quer registar poder da mulher no período colonial.
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O lançamento aconteceu na Embaixada do Brasil em Berlim, durante o evento "Convergência e Divergência: A CPLP como Espaço de Cultura e Economia e sua Percepção na Europa", organizado pela Sociedade Alemã para os Países Africanos de Língua Portuguesa (DASP), em que foram realizadas diversas palestras sobre temas moçambicanos.
O livro "Os Oito Maridos de Dona Luíza Michaela da Cruz" do escritor moçambicano Adelino Timóteo é um romance histórico com notas de ficção e conta um pouco sobre a vida de Dona Luíza Michaela da Cruz, dona de um prazo, (nome dado às terras arrendadas pela coroa portuguesa em Moçambique), na província da Zambézia – no período colonial.
"Este romance procura fazer uma radiografia sobre esses territórios e, ao mesmo tempo, demarcar o poder que essa senhora tinha naquela altura e elucidar sobre até que ponto esse poder influía sobre os seus súbditos e a relação dela com um poder, digamos, hierarquicamente superior. Porque extravasava. Ela acabava tendo mais poderes do que a coroa [em Portugal]," revela o autor.
Adelino Timóteo conta que escolheu dona Luiza para personagem central de seu romance porque "não se fala dela em Moçambique, praticamente não se fala – embora esteja na história".
O autor quis, assim, "chamar a atenção sobre uma pessoa que durante uma certa época de vida em Moçambique já tinha um certo dom, digamos, varonil. Era uma mulher que tinha uma atitude social mais empenhada, diferente, muito avançada para a época. Tinha uma atitude guerreira, era uma senhora de armas, dirigia combates e enfrentava os homens como se fossem seres, às vezes, inferiores".
Poder e ambiguidades
Para garantir sua influência e seu poder, dona Luíza não poupava esforços.
"Quem não fosse de acordo com a perspectiva dela, ela podia mandar matar. Ela tinha uma lagoa de crocodilos. Ela tinha homens, ordenava, e lançavam-no à lagoa de crocodilos", acrescenta o escritor.
Adelino Timóteo diz que, nas suas pesquisas, leu sobre quatro maridos. Mas explica como chegou ao título "Os Oito Maridos de Dona Luíza Michaela da Cruz".
"A imagem que ela tinha que fazia com que Portugal impusesse que o marido dela tinha que ser um português. Não podia ser um negro. Mas, ao mesmo tempo, ela fica grávida de um negro. Quer dizer, há uma ambiguidade não só de poder, há uma ambiguidade de normas que, na prática, são violadas", avalia.
Livro Adelino Timóteo OL - MP3-Stereo
Livingstone, o narrador moralista
Outra personagem histórica a quem o escritor dá nova vida neste livro é o missionário e explorador britânico David Livingstone, que foi ao Vale do Zambeze para evangelizar e combater o tráfico de escravos no Século XIX. Na obra, ele assume o papel de narrador.
"O Livingstone era bastante crítico à escravatura e visitou o prazo de Guengue e, ao mesmo tempo, fez uma reportagem manifestando o seu desagrado sobre a escravatura naquela altura," relata.
"Eu aproveito essa situação, na qualidade do moralista que ele era, para aquela altura. Certamente, eu imagino, na pele dele, um indivíduo que viveu naquela altura e que vai contar a história como quem testemunhou as situações todas em Guengue," diz o autor.
Ultrapassando fronteiras
Ao recuperar a história de dona Luíza Michaela da Cruz, o escritor moçambicano pretende também levantar debates.
"Hoje fala-se de feminismo. E o feminismo, muitas vezes, quando se aborda, é visto como algo que sai do ocidente e se expande pelo mundo. A minha ideia é mostrar que em diversas partes do mundo, em épocas diferentes, houve mulheres que tiveram poder e são independentes dessa gênese do tal feminismo que se diz," avalia Adelino Timóteo.
Para o autor, o lançamento do livro em Berlim é o ponto alto da sua divulgação fora do espaço lusófono.
"É o momento alto, na medida em que vou interagir com um público diferente, mas falante de língua portuguesa. Isso alarga um bocadinho aquela dimensão que nós temos quando criamos. Estamos a pensar num espaço geográfico e esse espaço vai se alargando," considera.
Adelino Timóteo espera que haja interesse em traduzir o seu livro para outras línguas e, assim, dar asas, como diz, à sua publicação.
Alemanha e Moçambique no olho de dois fotógrafos
Moçambique é o ponto comum na exposição em Berlim que junta fotografias do moçambicano Mário Macilau e do alemão Malte Wandel. As crianças de rua em Maputo são o tema em destaque na obra de Macilau.
Foto: Mario Macilau
Crianças de rua, na visão de Macilau
Nesta foto, o fotógrafo moçambicano Mário Macilau optou por um plano de detalhe para abordar a questão da alimentação das crianças de rua. Esse é um dos temas fortes na obra de Mário Macilau que, em 2017, foi um dos vencedores do prémio internacional The LensCulture Exposure Awards.
Foto: Mario Macilau
Crescendo na Escuridão
Em 2017, a obra do fotógrafo moçambicano Mário Macilau esteve em exposição na Galeria Kehrer, na capital da Alemanha. As fotos foram extraídas de diversas séries produzidas por ele, especialmente do livro "Crescendo na Escuridão", que mostra a infância de crianças de rua em Maputo. A exposição inclui também fotografias do alemão Malte Wandel, que documenta a vida dos "Madgermanes".
Foto: DW/C. Vieira Teixeira
A casa
A foto intitulada "Escadas de Sombras" mostra o interior de uma casa abandonada do período colonial. "Entrei nessas casas e comecei a observar a forma como esse sonho das casas de luxo se foi perdendo e as casas foram envelhecendo", revela Macilau. "Não queria mostrar o lado de rua dessas crianças, por isso, a maioria das fotografias foi feita dentro das casas onde elas moram", afirma.
Foto: Mario Macilau
Brincadeira
O menino com a arma de fogo nas mãos é, quase sempre, uma imagem chocante. Macilau garante que, aqui, trata-se de uma arma de brinquedo, feita pelas próprias crianças. O fotógrafo quis mostrar não apenas a dura realidade da vida nas ruas, mas também o imaginário e as brincadeiras, apesar da falta de perspectivas dos menores.
Foto: Mario Macilau
A imagem da alegria
A diversão na praia estampada nos sorrisos. A foto retrata a liberdade e a alegria do momento. Nem só de desesperança é feita a vida das crianças retratadas por Mário Macilau. "São crianças normais, que também têm sonhos. Elas vão passear, brincam, vão à praia. Isso tudo faz parte do lazer delas", considera.
Foto: Mario Macilau
Duas visões em exposição
Moçambique é o elo de ligação que junta dois fotógrafos na exposição, diz a gerente da Galeria Kehrer, Pauline Friesescke. "Mário apresenta um olhar de grande proximidade com os seus protagonistas", afirma. Já o trabalho de Wandel "coloca em debate uma parte interessante da história da Alemanha" e de Moçambique.
Foto: DW/C. Vieira Teixeira
"Madgermanes": Protestos e resistência
Desde 2007, Malte Wandel documenta a vida dos "Madgermanes" – tanto daqueles que ficaram na Alemanha quanto dos que retornaram a Moçambique. Para o fotógrafo, "era importante mostrar pessoas diferentes, em diversos lugares e também de níveis sociais variados" descreve. Na foto em exposição em Berlim, os "Madgermanes" protestam pelo pagamento de parte do salário que era descontado para Moçambique.
Foto: Malte Wandel
Ambiente familiar
Malte Wandel fotografou diversas famílias dentro de casa. Na foto, a família de Jamal Trabaco, em Halle an der Saale, no estado alemão da Saxónia-Anhalt. "Para mim, era muito importante mostrar os ambientes privados, contar as histórias privadas e tornar essas famílias visíveis", explica o fotógrafo alemão.
Foto: Malte Wandel
Vítimas de ataques racistas
Foi na Praça Jorge Gomodai, em Dresden, que em 1991 o moçambicano Jorge João Gomodai foi atacado por jovens de extrema direita, vindo depois a falecer. "Nestes tempos em que Dresden representa o Movimento Pegida [Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente], muitas manifestações aconteceram nesta praça e escolhi-a como símbolo para mostrar que a história se repete", justifica Wandel.
Foto: Malte Wandel
Uma vida sem glamour
O fotógrafo alemão interessou-se por retratar a situação nada glamorosa em que se encontravam os ex-trabalhadores da RDA. A imagem demonstra a sala da casa de Nelson Munhequete, em Maputo. "A foto mostra que ele não teve uma chance", diz Malte Wandel. "Dar cada vez mais visibilidade a essa história é meu objetivo", conclui.
Foto: MalteWandel
A opinião do público
Durante uma visita à exposição, o artista plástico Thomas Kohl encantou-se com o trabalho de Mário Macilau. "Tem-se a impressão de que se trata de uma situação real e não de algo encenado", descreveu. Para Kohl, apesar de abordar o tema pobreza, "não há um julgamento nem uma realismo barato" no trabalho de Macilau.