Transportadores de Moçambique querem aproveitar trégua de dois meses para trabalhar. Afirmam que já se nota o aumento no fluxo de viajantes para o centro e norte do país, o que poderá trazer mais rendimentos.
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O aumento do fluxo de passageiros já é visível no terminal rodoviário da Junta, no leste da capital Maputo. Nelson Florindo regressa à Beira, centro do país, numa viagem que vai durar um dia. Nos últimos tempos, por causa da instabilidade, eram precisos dois a três dias para chegar ao destino.
Florindo compara os dois períodos: "Antigamente saíamos daqui às correrias para apanharmos a coluna militar. Agora andamos à vontade mesmo sabendo que em qualquer lugar e hora passamos nas zonas de conflito."
Este passageiro, que mesmo nos tempos de maior instabilidade nunca deixou de viajar, conta que passou por momentos desagradáveis entre o rio Save e Muxúngue. E nem quis acreditar quando este mês voltou a passar por aquela zona: "Dia 1 passei pelo rio Save às 17h20. Naquele troço perigoso andamos sem nenhum medo e significa que as coisas estão bem."
Ainda receios de ataques
Luís Sanda, outro passageiro que vai para a Beira, também viajava nos tempos de crise. Mas ainda não desfrutou de uma viagem no momento de tréguas: "Temos que ter em conta que pode acontecer algum lapso por aí, mas creio que vamos viajar bem."
Timóteo Mavota é motorista e desde que foi decretada a trégua de natal e fim de ano fez três viagens a Tete, também no centro de Moçambique: "Antes não era fácil fazer três viagens por causa das colunas militares. Sempre parávamos. Sair daqui a Tete levávamos dois a três dias."
Mutombo António, outro motorista, prepara-se para viajar para a cidade da Beira. Na altura da crise levava menos de metade dos passageiros habituais: "Desde que perceberam que já não há ataques conseguimos encher os carros. Desde que as colunas militares pararam estamos a encher os carros."
Uma satisfação também para o motorista Armando Cuamba, que vai até a cidade de Quelimane, província central da Zambézia. Mas pede mais: "Veja só, tivemos duas semanas. As pessoas passaram bem. Foram e voltaram sem nenhum problema. Agora são dois meses, é de louvar. Mas por que não o fazem para sempre? É aquilo que desejamos e sonhamos sempre com a paz no nosso dia-a-dia!"
Transportadores esperançosos
O vice-presidente da AMOTRANS, a Associação Moçambicana dos Transportadores, Paulo Muthisse, espera que este ano haja melhorias neste setor: "Uma vez que o ano passado foi muito dificil. Há muita coisa que não conseguimos. Quase que corriamos o risco de perder as nossas viaturas. Acredito que nestes dois meses vamos recuperar a nossa imagem com a banca."
Na altura da instabilidade, a associação só conseguia fazer viagens com dois autocarros em toda a região centro. Muthisse conta: "Nem conseguíamos tirar seis. Às vezes dois autocarros. Juntávamos os passageiros e chegávamos no Inchope, província de Manica, distribuíamos."
Agora o cenário voltou à normalidade, com seis autocarros a sair todos os dias para a zona centro: "Significa que para cada capital provincial vai um carro. Mas como estamos num momento da quadra festiva tiramos dois em cada capital provincial, portanto estamos a falar de 12 autocarros. Mas o normal são seis autocarros por dia."
Desde que a instabilidade político-militar se iniciou, em 2014, altura que Afonso Dlhakama, o líder da RENAMO, principal partido da oposição, contestou os resultados eleitorais, muitas empresas de transportes somaram prejuízos. Mas com o cessar-fogo sonham agora com dias melhores.
06.01.17 Tréguas e transportadores moz - MP3-Mono
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.