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"Moçambicanos devem continuar a acreditar no valor da paz"

João Carlos (Lisboa)22 de julho de 2014

O presidente da Comunidade de Santo Egídio apela aos moçambicanos a continuarem a acreditar nos valores da paz. Marco Impagliazzo disse que o Governo deve tomar em conta as propostas da RENAMO.

Marco Impagliazzo, Presidente da Comunidade de Santo EgídioFoto: DW/J.Carlos

"A paz é possível", afirmou Marco Impagliazzo, depois de ter recebido o Prémio anual da Fundação Calouste Gulbenkian, das mãos do ex-chefe de Estado português, Jorge Sampaio, presidente do júri e alto representante das Nações Unidas (ONU) até 2013 para a Aliança das Civilizações.

A mensagem do presidente da Comunidade de Santo Egídio, segundo as suas próprias palavras, foram também dirigidas aos moçambicanos, aos quais pediu o recurso ao diálogo como via para a solução do conflito político-militar entre o Governo da FRELIMO, no poder, e a RENAMO, principal partido da oposição de Moçambique.

O apelo ao diálogo evoca o período crítico da campanha para as eleições gerais previstas para outubro deste ano. Para Marco Impagliazzo "cada ato eleitoral transporta consigo momentos de agitação. Todas estas agitações políticas que infelizmente também causaram mortes têm a ver com o difícil clima eleitoral que se vive atualmente em Moçambique."

Para o responsável da Comunidade italiana "há muitos pormenores a esclarecer antes das eleições" e vai mais longe: "O Governo da FRELIMO terá que escutar e tomar em conta os pedidos da oposição. Mas, tenho fé que os 25 anos de pacificação democrática poderão salvar este país de novos conflitos, da guerra.»
O que é que falhou no Acordo Geral de Paz assinado a 4 de outubro de 1992?

Acordo Geral de Paz, em 1992, que pôs fim a guerra de 16 anos entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO (Na Foto Joaquim Chissano (esq.) e Afonso Dlakhama)

O discurso globalizado

A atual situação que Moçambique vive é avaliada da seguinte forma: "Acho que tem a ver, sobretudo, com o clima de agitação psicológica. Tem a ver com problemáticas concretas claramente, mas o que levou Moçambique ao Acordo de Paz foi um clima de interesse no bem comum que ambas as partes em conflito tinham. "

De acordo com Impagliazzo, "hoje parece prevalecer o interesse de uma parte mais do que o interesse comum. Mas isto insere-se bem no discurso do mundo globalizado."

E o presidente da Comunidade Santo Egídio dá o exemplo do velho continente: "Também na Europa temos visto crescer movimentos anti-europeus, fruto da globalização, em que parecem prevalecer os interesses singulares de grupos em detrimento do interesse comum geral.»

Ele admite que foi uma grande falha não se ter desarmado a RENAMO totalmente: "Sempre pode-se cometer erros, mas até alguns meses atrás a situação era tranquila. O que significa que o processo de paz decorreu muito bem e foi respeitado pelas duas partes, a FRELIMO e a RENAMO."

E Impagliazzo acrescenta: "Claro que será necessário esclarecer alguns pontos mas o Acordo Geral de Paz está ótimo. O que quero fazer através da vossa Rádio é lançar um apelo a todos os moçambicanos para que continuem a acreditar no valor da paz que levou anos a conquistar e trouxe bem estar a todas as pessoas."

Marco Impagliazzo falando a plateia no encontro da Calouste GulbenkianFoto: DW/J.Carlos

Outras preocupações

Para o presidente da Comunidade de Santo Egídio, o prémio atribuído pela Fundação Gulbenkian, no valor de 250 mil euros, chega em boa hora, no momento em que a Comunidade está empenhada em vários cenários delicados de guerra no mundo, em particular em África.

Apesar de África estar entre as suas prioridades, uma das preocupações da instituição prende-se com a situação no Médio Oriente, principalmente em relação aos acontecimentos na Síria, onde vivem milhares de cristãos.

Marco Impagliazzo deu a conhecer que o prémio será dividido em duas tranches. Uma parte destina-se aos Encontros de Paz entre as Religiões que a Comunidade de Santo Egídio organiza todos os anos no continente europeu. "E a outra parte será utilizada para o processo de paz muito difícil, que estamos a seguir, na República Centro-Africana", finaliza Impagliazzo.

Neste país de África, Santo Egídio desempenhou antes um grande papel na aproximação entre todas as partes religiosas em conflito. Porque hoje em dia as religiões têm muito a dizer em prol da paz mais do que nós acreditamos».

Marco Impagliazzo em entrevista à DWFoto: DW/J.Carlos

O que é a Santo Egídio?

A Comunidade de Santo Egídio, movimento católico fundado em 1968 por Andrea Riccardi, tem-se distinguido pelo apoio aos menos favorecidos e pelos esforços para alcançar a paz no mundo, quer através da mediação de conflitos quer através do diálogo inter-religioso.

Agrega atualmente cerca de 60 mil leigos em mais de 70 países do mundo, que se dedicam a promover o diálogo ecuménico e apoiar, a título voluntário, pessoas sem abrigo, idosos, presidiários (especialmente condenados à morte), deficientes, vítimas de guerras e imigrantes. Cerca de um terço dos membros da Comunidade vive em África ou nos países do hemisfério Sul.

Nos países lusófonos, bem como noutros países de África subsariana, a comunidade atua fundamentalmente através do programa DREAM (Drug Resource Enhancement against AIDS and Malnutrition), um do mais eficazes programas de combate à sida e à malnutrição, e através da campanha BRAVO, que tem por objetivo registar a população, contribuindo para acabar com o número exorbitante de “crianças invisíveis” em África.

"Moçambicanos devem continuar a acreditar no valor da paz", diz Marco Impagliazzo

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