Por um lado, falam do desejo de que negociações de paz continuem no bom caminho. Por outro, divergem sobre o novo presidente interino da RENAMO. Cerimónias fúnebres de Afonso Dhlakama começam esta quarta-feira na Beira.
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Ivan Tembe, membro da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e secretário da Organização da Juventude Moçambicana (OJM) em Berlim, diz que soube da morte de Afonso Dhlakama pelas redes sociais. De imediato, ficou com várias dúvidas.
"Como será negociada agora a paz? Quem são as pessoas da RENAMO [Resistência Nacional Moçambicana] que estarão à frente dessa negociação? São questões normais que qualquer um poderia se questionar", afirma.
Para o jovem de 33 anos, no entanto, o processo de negociação da paz efetiva em Moçambique, que vinha sendo liderado pessoalmente pelo líder histórico da RENAMO e pelo Presidente Filipe Nyusi, estava "plenamente avançado". Espera agora que as conversações prossigam.
"Não só era objetivo ou desejo do presidente do partido RENAMO, Afonso Dhlakama, alcançar essa paz efetiva, mas também dos outros moçambicanos, assim como dos outros membros da RENAMO", diz.
"Então, eu acredito que vai continuar o processo, como estava a continuar. Será com diferentes pessoas agora, mas vai continuar", afirma o moçambicano.
Momento de incertezas
Francisco Quive reside na Alemanha há 31 anos. Diz que nunca deixou de acompanhar os desenvolvimentos em Moçambique. O simpatizante da FRELIMO, de 54 anos, afirma que seu país passa por um momento de incerteza.
"As negociações de paz em Moçambique eram feitas só entre duas pessoas. Ele [Dhlakama] foi com o segredo dele na cabeça e a outra parte que ficou ainda mantém a outra parte do segredo. Agora, ninguém vai conseguir tirar os segredos com que ele foi com ele na cabeça. É por isso que digo, já que ele [Dhlakama] foi com os segredos dele na cabeça, agora a nossa paz está ameaçada", considera.
Em Berlim, moçambicanos inseguros sobre futuro do país
A nomeação de Ossufo Momade para líder interino do maior partido da oposição, divide opiniões entre os moçambicanos residentes em Berlim. Momade não convenceu Francisco Quive.
"Não sabemos se essa pessoa vai conseguir aquilo que o Afonso conseguia: manter calmas aquelas pessoas que o Afonso conseguia manter calmas. Porque houve-se que há alguns comandos que querem tudo à força lá em Moçambique. Eles que continuam lá nas selvas", explica.
"Agora, [há] essa incerteza sobre se o senhor Ossufo vai conseguir manter calmos os tais rebeldes. Eu não sei, porque o Dhlakama disse que só ele os conseguia manter calmos", avalia Francisco Quive.
Já o engenheiro Constâncio Maulana, de 53 anos, simpatizante da RENAMO e que vive há mais de 20 anos na Alemanha, vê em Momade uma boa opção do seu partido.
"Eu penso que é uma pessoa muito indicada, que vai conseguir fazer face tanto à parte militar, quanto à parte política [da RENAMO]. Espero e peço que também ele esteja à altura de tentar corrigir as lacunas que estão neste acordo que foi feito entre o presidente Dhlakama e o Presidente da República, Filipe Nyusi", afirma o simpatizante da RENAMO.
Enquanto a RENAMO defende que os administradores distritais devem ser indicados pelos governadores provinciais, a FRELIMO é de opinião que a indicação seja feita pelo Ministério que superintende a área.
Constâncio Maulana acredita que o novo líder interino da RENAMO saberá superar este diferendo.
"É muito notório que o Governo vigente instalou, ou vai instalar, um Governo paralelo. Isso demonstra uma desconfiança em relação a uma parte dos moçambicanos, e o Governo quer continuar a controlar todas as coisas mais importantes - portanto, a riqueza", considera.
"O senhor Ossufo é a pessoa indicada para mandar corrigir isso, portanto, estou muito otimista em relação a isso", conclui.
Todos dizem torcer para que a paz seja alcançada o mais rápido possível. Francisco Quive deixa um apelo aos seus conterrâneos: "Que o povo moçambicano acabe com esses conflitos e rume ao desenvolvimento nacional para acabar com a pobreza absoluta em Moçambique", defende.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.