Há quem desconfie da gestão que as instituições do Estado estão a fazer do que é doado. No centro da desconfiança está o INGC, que apoia as vítimas de catástrofes naturais.
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Numa iniciativa inédita em ações de solidariedade, os moçambicanos têm estado a reivindicar uma maior vigilância e auditoria dos bens que estão a doar às vítimas do ciclone Idai.
A desconfiança atingiu tal ponto que há até gente nas redes sociais a apelar para que o apoio não seja canalizado diretamente para o Governo, alvo de maior suspeita.
No caso da campanha de solidariedade nacional denominada "Unidos pela Beira" foi feita uma auditoria, segundo um dos mentores, Carlos Serra Jr.
"A KPMG é que fez a auditoria na partida. Auditaram todo o processo por uma razão de transparência. Isso é garantido. Agora, quanto à chegada não posso falar, mas acredito que sim, que tenham, sido criadas as condições para o efeito", explica.
Má fama de Moçambique gera receio
A ajuda mobilizada foi tanta a ponto de encher 76 contentores que chegaram esta terça-feira (26.03) à cidade da Beira por via marítima. Mas a falta de transparência, a corrupção, o desvio de fundos e bens e a ausência de prestação de contas são uma marca forte em Moçambique, que dão até fama internacional ao país, o que faz aumentar os receios.
Moçambicanos pedem auditoria de doações às vítimas do ciclone Idai
A partir do momento em que houve a largada do navio a 22 de março, a responsabilidade pela distribuição passou para outras mãos.
"O INGC é a entidade coordenadora, obviamente que é a porta de entrada. Obviamente que não há como escapar a isso. Temos que comunicar porque numa situação destas de estado de emergência tem de haver uma estrutura no local que congrega e articula a ação de todas as outras, se não vamos ter ajudas a dobra num sítio e não a outro ou a dispersão de alguns meios que poderiam fazer a diferença de forma organizada e concertada", afirma Carlos Serra Jr.
De acordo com o Centro de Integridade Pública (CIP), embora o Tribunal Administrativo faça auditorias às contas da instituição, não tem sido dado a conhecer os seus resultados. A ONG entende que o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) é passível de ser usado para atos de má gestão e corrupção porque recebe inúmeras ajudas para vítimas de catástrofes naturais.
Desconfianças em torno do INGC
O INGC é uma instituição alvo de grandes desconfianças no que concerne à transparência no capítulo da gestão de fundos. Há cerca de dois anos, foi proposta a criação de uma unidade interna de controlo no INGC, mas que parece não ter passado de intenção.
"Não sabemos se a entidade já foi criada, quais são as suas atribuições e competências. Se é que ela existe, depois deste clamor todo [por transparência] no contexto das desconfianças, penso que o INGC já devia ter aparecido a esclarecer que já tem um órgão que faz esta atividade, que é um órgão autónomo e que até mesmo a diretora do INGC não tem capacidade de influenciar o trabalho desse órgão. Nós esperávamos que o INGC fizesse isso", declara o pesquisador do CIP Baltazar Fael.
Acirram as desconfianças do cidadão vários factores, a destacar dois: o escândalo sem igual das dívidas ocultas que praticamente deixou Moçambique arruinado em todos os aspetos e o facto deste ser um ano de eleições e haver por isso uma necessidade extraordinária de meios financeiros para suportar os gastos com ela, numa altura em que o Governo tem os cofres vazios.
O CIP prefere não especular sobre as más intenções ligadas ao pleito eleitoral, mas especula sobre outros pontos.
"De alguma forma pode-se dizer que é um Governo que está de saída. São ministros que vão deixar os seus cargos e a tendência é de saírem com alguma coisa que garanta no futuro a sua sobrevivência, porque vão deixar de ter acesso aos recursos públicos e vão ter, de alguma forma, de buscar outros meios de sobrevivência", avalia Fael.
Ciclone Idai: Crise humanitária no centro de Moçambique
Pelo menos 447 pessoas morreram e centenas de milhares ficaram desalojadas devido a ciclone Idai. É a "pior crise humanitária na história recente de Moçambique", diz a Cruz Vermelha. Autoridades temem eclosão de doenças.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Tragédia em Moçambique
Todos os dias continuam a chegar pessoas a centros de acolhimento, todos os dias são anunciados mais mortos no centro de Moçambique. A extensão dos danos provocados pelo ciclone Idai ainda não é totalmente conhecida. O último balanço das autoridades aponta para, pelo menos, 447 mortos e centenas de milhares de pessoas afetadas.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Vítimas esperam e desesperam
Há pessoas nos telhados à espera de ajuda, mais de uma semana depois da passagem do ciclone Idai. E a ajuda muitas vezes "não chega", diz Anabela Lemos, da organização não-governamental moçambicana Justiça Ambiental. "O povo precisa de uma resposta de emergência agora mesmo para sobreviver a esta crise", conclui.
Foto: Reuters/M. Hutchings
Destruição
O ciclone Idai destruiu uma área superior a 3.000 quilómetros quadrados (cerca de dez vezes a área da cidade de Maputo), estimam as autoridades moçambicanas. Dezenas de milhares de casas ficaram destruídas. O ciclone destruiu ainda estradas e pontes, e árvores e postes caíram nas vias, impedindo a circulação de veículos.
Foto: Reuters/M. Hutchings
"Emergência de mais alto nível"
O Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas diz que a situação no centro de Moçambique é "uma emergência de mais alto nível". A Beira foi a cidade mais afetada. O Governo e organizações não-governamentais têm distribuído ajuda à população. O PAM já deu assistência alimentar de emergência a mais de 115 mil pessoas. Mas as vítimas continuam a alertar que falta comida.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Acesso a comida e água potável
A diretora-executiva da UNICEF Portugal alertou que a situação em Moçambique é "avassaladora". Segundo Beatriz Imperatori, há "milhares de crianças desamparadas e que necessitam de apoio alimentar, de abrigo e de condições de saneamento com caráter de urgência". Helicópteros lançam biscoitos energéticos em zonas isoladas pelas águas. A falta de acesso a água potável é também uma preocupação.
Foto: Reuters/Josh Estey/Care International
Receio de eclosão de doenças
As autoridades temem a eclosão de doenças devido às águas paradas e à falta de saneamento básico. Daviz Simango, edil da Beira, disse em entrevista à agência de notícias Lusa que há registo de várias mortes com sintomas de cólera. E teme-se um "pico" de casos de malária. A Organização Mundial de Saúde aprovou o envio para a região de 900 mil vacinas orais contra a cólera. E são precisas latrinas.
Foto: Reuters/M. Hutchings
Extensão das inundações
A vermelho é possível ver a extensão das inundações na zona da Beira. A UNICEF alerta que os países afetados pelo ciclone Idai - Moçambique, Zimbabué e Malawi - não conseguem dar conta dos estragos. Por isso, as Nações Unidas pedem que os apoios externos sejam canalizados para a reconstrução de infraestruturas e para o "repensar da economia", diversificando as fontes de rendimento dos cidadãos.
Foto: ESA
Resgate e apoio financeiro
As operações de resgate continuam para encontrar sobreviventes do ciclone em zonas remotas. As Nações Unidas pediram 282 milhões de dólares para apoiar Moçambique nos próximos três meses - para água potável, saneamento, educação e reabilitação dos meios de subsistência dos populares.
Foto: Getty Images/AFP/M. Vermaak
Esforço conjunto
Todos os dias, pessoas são resgatadas. Camiões tentam levar ajuda humanitária a quem precisa, apesar das más condições das estradas na cidade da Beira. Há também um esforço para reconstruir esta localidade o mais depressa possível: a autarquia da Beira autorizou a reconstrução de casas e infraestruturas destruídas pelo ciclone Idai, sem ser necessária uma licença prévia das autoridades.
Foto: pictur- alliance/AP Photo/CARE/J. Estey
Gestão da ajuda às vítimas
A Cruz Vermelha diz que está a ser montado um hospital de campanha na Beira e há outro a chegar. Deverá também chegar um sistema de saneamento e uma unidade de purificação de água para milhares de pessoas. A cidade tem recebido ajuda um pouco de todo o lado. O Centro de Integridade Pública pede que a sociedade civil ajude a gerir os apoios às vítimas do ciclone Idai, para garantir transparência.