Memorando entre Governo e RENAMO já pode ser "fiscalizado"
Leonel Matias (Maputo)
16 de outubro de 2018
Analista saúda publicação do conteúdo do acordo na Internet. Entendimento prevê o desarmamento do maior partido da oposição em Moçambique num período de sete meses, devendo estar concluído até ao próximo mês de março.
O documento foi assinado pelo Presidente Filipe Nyusi e o líder interino da RENAMO, Ossufo Momade, no âmbito dos esforços para o alcance de uma paz definitiva e duradoura para o país.
Para o analista Alexandre Chiure, a divulgação do memorando sobre assuntos militares foi uma boa decisão, porque se trata de um assunto que interessa a todos os moçambicanos. "Todos nós já estamos em condições não só de acompanhar a implementação do acordo, como também de fiscalizar", considera.
Detalhes à vista
O memorando estabelece que a RENAMO deverá transformar-se num partido político não armado até março de 2019.
Espera-se que até essa altura esteja concluído o processo de desmobilização, desmilitarização e reintegração dos guerrilheiros da RENAMO. O processo deverá durar sete meses, contados a partir de agosto, quando entrou em vigor.
Se os prazos previstos no cronograma de implementação do acordo forem cumpridos, Moçambique poderá realizar pela primeira vez eleições gerais e provinciais no próximo ano com a RENAMO desarmada.
O memorando de entendimento prevê a integração de 14 oficiais da RENAMO em cargos de chefia das Forças Armadas e 10 na liderança da Polícia, devendo estas instituições manter-se, no entanto, apartidárias.
Os oficiais provenientes da RENAMO vão comandar uma das três brigadas das Forças Armadas e dois dos quatro batalhões independentes.
Vão chefiar ainda quatro das 12 repartições ao nível do ramo do exército, assim como os departamentos de operações, de informações militares e de comunicações, ao nível do Estado Maior General das Forças Armadas.
Os oficiais indicados para ocuparem os novos cargos que eventualmente não tiverem formação académica compatível deverão beneficiar de formação específica.
Desarmamento: um assunto delicado
Logo após a conclusão da fase de reintegração dos oficiais dos homens armados da RENAMO nas Forças Armadas e na Polícia em dezembro próximo, deverá seguir-se a fase de desarmamento daquele partido.
Memorando entre Governo e RENAMO já pode ser "fiscalizado"
"É um passo positivo este de o Governo ter cedido até este nível para a integração dos homens armados da RENAMO”, diz Alexandre Chiure, lembrando que, "daqui para a frente, é preciso que o processo seja bem conduzido, porque são coisas que quando envolvem armas, quando envolvem militares, parte-se para o processo com alguma delicadeza".
A desmobilização, desmilitarização e reintegração dos guerrilheiros da RENAMO tem por objetivo garantir a segurança e a estabilidade do país, construir um ambiente de confiança e reconciliação entre os moçambicanos na estreita observância dos princípios do estado de direito democrático, segundo refere o memorando de entendimento assinado entre as partes.
Gestão internacional
A gestão do processo de desarmamento e reintegração dos guerrilheiros da RENAMO será garantida por uma equipa internacional composta por oficiais militares de nove países, incluindo da Alemanha, chefiada pelo general argentino Javier Aquino, que liderou a fase desarmamento das forças armadas revolucionárias colombianas.
A equipa já se reuniu - em separado - com os dois signatários do memorando de entendimento, Filipe Nyusi e Ossufo Momade, tendo-se deslocado à Gorongosa para o efeito.
Alexandre Chiure acredita "que as coisas vão correr bem”. "Se houver boa vontade de parte a parte, é possível até março conseguir-se concluir o processo", afirma.
A RENAMO ameaçou este fim de semana abandonar o diálogo com o Governo, como forma de protestar contra os resultados das eleições autárquicas da última quarta-feira (10.10), mas a FRELIMO já reagiu, afirmando que o processo de paz tem que andar e as chantagens politicas têm de parar.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.