Refugiados no Malawi: Moçambicanos querem regressar a casa
Arcénio Sebastião
16 de maio de 2018
Com o calar das armas e o avanço das negociações de paz, os cidadãos deslocados querem voltar para Moçambique. Mas dizem que é preciso transporte e apoio do Governo.
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Há mais de um ano e meio que se calaram as armas em Moçambique. E as partes em conflito, o Governo moçambicano e o maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), começaram conversações de paz. Por isso, os moçambicanos no centro de refugiados de Luwani, no sul do Malawi, querem regressar a casa.
Manuel Solidjala Candicole é um deles. Costumava vender produtos agrícolas na província de Tete, mas saiu de casa há quatro anos depois de militares assassinarem a tiro um colega, acusando-o de fornecer alimentos a homens armados da RENAMO.
Moçambicanos refugiados no Malawi querem regressar a casa
Agora, com o calar das armas, já está na hora de ir para casa. "Se há silêncio lá no nosso país, é bom voltar. Eu fazia negócio lá, aqui estou sem fazer nada", diz Candicole.
Mas não é tão fácil assim. Segundo Manuel Candicole, "muita gente está à espera de transporte". "Não temos dinheiro, não recebemos nenhuma coisa, não temos futuro aqui – por isso estamos a pedir", apela.
O refugiado de 53 anos de idade também quer votar nas autárquicas marcadas para 10 de outubro e nas eleições gerais do próximo ano. "O tempo de eleições está quase, a gente quer ir trabalhar um pouco", afirma o refugiado que pretende votar nas próximas eleições.
Deslocados
Em 2015 e 2016, durante os confrontos entre o exército moçambicano e os homens armados da RENAMO, mais de 12 mil moçambicanos cruzaram a fronteira e procuraram refúgio no Malawi, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Hoje em dia, estima-se que cerca de 3 mil pessoas continuam no campo de Luwani. Muitos já voltaram.
Bedinho Adelino, de 44 anos, é de Moatize, na província de Tete, e percorreu mais de 300 quilómetros para chegar ao Malawi. Também pede transporte para voltar a casa o mais depressa possível. "Se o carro se apresentar, eu posso subir mesmo. Basta".
Acordo para o regresso
Hilário Elias, um jovem de 20 anos de idade, ocupa os dias num pequeno mercado fora do campo de refugiados de Luwani e também quer voltar rapidamente a Moçambique. Pede, por isso, ao Governo moçambicano que assine finalmente um acordo com o Malawi para o regresso dos refugiados.
"Estamos a esperar a assinatura para nós voltarmos. O Governo do Malawi diz-nos que os nossos presidentes e o Governo estão para assinar, para nós voltarmos a casa. Se o carro chegar hoje ou amanhã, nós estamos prontos", conta.
Mas isso ainda pode demorar. Para já, não há perspectiva de que o transporte de regresso a casa chegue tão cedo. O ACNUR diz que não tem autorização para falar. A representação diplomática de Moçambique no Malawi promete dar uma resposta brevemente.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.