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"É preciso intervenção militar” externa em Cabo Delgado

14 de agosto de 2020

Especialista em contra-terrorismo diz que é necessário intervenção militar internacional para resolver insurgência em Cabo Delgado, Moçambique. Investigadora vê reconhecimentos mundiais do problema, mas nada tangível.

Mosambik, Macomia: Mucojo village had houses destroyed by armed groups
Aldeia de Mucojo depois de um ataque dos insurgentesFoto: Privat

"O exército moçambicano não tem a capacidade de poder ir contra os insurgentes. Na melhor das hipóteses pode contê-los", entende Jasmine Opperman, especialista em contra-terrorismo, em entrevista à DW África.

E a investigadora do ACLED (Projeto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos) também não acredita numa intervenção imediata da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) no norte de Moçambique.

É que as forças armadas moçambicanas nem sempre são capazes de repelir os insurgentes, que até já chegaram a ocupar instituições de soberania por alguns dias, como foi com o porto de Mocímboa da Praia recentemente. A DW entrevistou Jasmine Opperman:

DW África: Acredita que algum dia os insurgentes vão ser capazes de ocupar, efetivamente, algumas regiões em Cabo Delgado?

Jasmine Opperman (JO): Não. O exército moçambicano tem soldados bem treinados. Eu não quero fazer estimativas, mas a maioria deles estão destacados em torno dos setores de LNG [Gás Natural Liquefeito, em português], enquanto os outros não têm experiência no campo de batalha e têm comandantes fracos.

Jasmine Opperman, investigadora da ACLEDFoto: privat

Então, o exército moçambicano não tem a capacidade de poder ir contra os insurgentes. Na melhor das hipóteses pode contê-los. Mas contrariá-los e lidar com o problema continua a ser um método político que deve ser negociado pelo Governo em termos da sua abordagem.

Serão eles [as tropas moçambicanas] capazes de voltar a ganhar controlo em Cabo Delgado estando sozinhos? Não, duvido seriamente. E se o argumento de que algum apoio formal é necessário a partir de um nível regional, como expliquei, há muitos bloqueios. O apoio externo vai ter de vir da UA [União Africana] ou mesmo da ONU, mas alguma intervenção é preciso urgentemente, à medida que as clamações de vitória pelo exército moçambicano continuam suspeitas.

DW África: Moçambique, mesmo que melhor preparado e equipado, tem a capacidade de ganhar aos insurgentes estando sozinho?

JO: Mesmo que providenciem melhor armamento, o que fará alguma diferença, lembrem-se que as armas são tão boas como os soldados que as seguram. Então é preciso haver muito treino que tem de ser acompanhado pelo seguinte: o Governo tem de se comprometer com a transparência e com a prestação de contas e a não deixar perpetuar o que está a acontecer agora em termos de violação grave aos direitos humanos.

Preciso de acrescentar, que vocês não vêem uma solução militar a este problema. E uma intervenção militar é preciso para trazer a segurança necessária para uma situação que permita resolver os problemas. Há um profundo descontentamento enraizado que tem sido acumulado há anos e que se encontra com as vozes extremistas que estão a tomar posse.

DW África: Mais do que um problema nacional, a insurgência em Cabo Delgado é uma ameaça regional. Vê algum compromisso da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) contra os insurgentes?

JO: Eu vejo muitos pronunciamentos e reconhecimentos, vejo muitas discussões. Mas não vejo nada tangível a acontecer. Estamos a sentar-nos sobre um problema sádico, típico de uma segurança regional ampla. E enquanto Cabo Delgado e as suas implicações não forem compreendidas, vai permanecer um rastreio de fachada. Algo que poderia ser pretendido por certos estados para acederem a limitadas questões de segurança ou a formação mais arrojadas.

Mas não há provas tangíveis sérias de quaisquer planos específicos sobre a mesa para implementar. E não penso que devemos esperar qualquer implementação da SADC num futuro próximo. Acho que há também um grande reconhecimento dos líderes que o estão a declarar, mas há constrangimentos graves: nas suas capacidades, na sua situação financeira, as oposições, a Covid-19 e as suas questões domésticas também têm de ser respondidas.

Então, se pergunta se eles estão a levar o assunto a sério, eu acredito que eles são sérios ao reconhecer a situação. Mas a sua seriedade ainda tem de se traduzir em ações.

Bandeira do Estado IslâmicoFoto: picture-alliance/Zuma Press

DW África: Cabo Delgado é considerado parte do ISCAP (Província Central Africana do Estado Islâmico). Acredita que há interesses expansionistas dos insurgentes para outras partes de Moçambique?

JO: Em termos de interesses expansionistas, é necessário fazer uma distinção: a insurgência tem causas profundas. Não vemos uma expansão em termos de área geográfica e em termos de alvos visados. Se houver uma expansão, não será imediatamente, será um processo paulatino, para os insurgentes conseguirem reunir condições para tal. Mas penso que os insurgentes continuam focados em Cabo Delgado. O problema que surge com o Estado Islâmico (EI) é que está a tentar apropriar-se da insurgência através de ideologia extremista.

O EI procura um alcance global, é expansionista na sua própria ideologia. Não reconhece fronteiras. O ISCAP vai propagar a sua posição de liderança e a ameaça que coloca à região, e não apenas a Cabo Delgado. Porém, não há grandes probabilidades de situações semelhantes em outras áreas.

A Tanzânia apresenta vulnerabilidades nas suas fronteiras, mas o restante é mais indiretamente - o restante é propaganda do EI, desenvolvendo um megafone de incentivo ao recrutamento, popularizando o seu ponto de vista para que a população se engaje nela. A insurgência em si não é expansionista, é o EI que está a apropriar-se da insurgência para expandir a sua perspetiva. É uma questão do global se unir ao local.

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