Números do recenseamento não batem certo com dados do Instituto Nacional de Estatística e as autoridades têm prestado poucos esclarecimentos. Momento político é delicado, lembram analistas.
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Em Moçambique, a FRELIMO, o Presidente da República e os órgãos eleitorais mantêm-se em silêncio sobre os polémicos dados do censo eleitoral que contrariam os números do Instituto Nacional de Estatística (INE). Os analistas defendem que é difícil fazer pronunciamentos, nesta altura, devido ao momento político.
Analistas e alguns membros da sociedade civil referem que o momento político delicado que antecede as eleições dificulta a quebra do silêncio por todas as partes.
Jorge Matine, da organização não-governamental Fórum de Monitoria e Orçamento, entende que declarações do Presidente da República, Filipe Nyusi, podem ser mal interpretadas, na qualidade de chefe de Estado.
A única afirmação que o presidente Nyusi deve tecer neste momento, diz Matine, é garantir que as instituições envolvidas tenham a isenção necessária.
"Como ele começou com a pré-campanha, é muito difícil de ele poder ter uma opinião que não seja questionável, devido as últimas posições que o presidente foi tomando que são actividades bastante conotadas com actividades de âmbito político", afirma Matine.
Jorge Matine diz que a FRELIMO e o MDM, que estão representados na Comissão Nacional de Eleições (CNE), e mesmo próprio órgão eleitoral já deviam ter-se pronunciado sobre o caso.
"A característica da CNE é que é uma organização de cariz político e suspeita-se que tenha interesses políticos, penso que a sua decisão poderá levar um tempo. E penso que isto é que está neste momento em discussão. O que sabemos é que, em termos oficiais, os partidos representados na CNE nada disseram, só a RENAMO veio protestar os dados apresentados", reiterou Jorge Matine.
Passa-culpas
Citado pelo jornal Mediafax, o porta-voz do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral, Cláudio Langa, remeteu quaisquer novos pronunciamentos à Comissão Nacional de Eleições, a quem, segundo o responsável, "cabe fazer a reapreciação dos resultados ou dados".
Na quarta-feira (17.07), em conferência de imprensa, o INE também garantiu que não sabe explicar os números de recenseados em Gaza. "O certo é que o INE usa um tipo de metodologia e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) também tem outro tipo de metodologia. A sociedade não pode exigir que os números sejam iguais, (portanto) as explicações talvez sejam encontradas nas leis eleitorais", explicou Arão Balate, diretor nacional de Censos e Inquéritos.
Ainda segundo o responsável do INE, o número de eleitores anunciados pelo STAE para a província de Gaza só será atingido em 2040, seguindo as projeções do Instituto Nacional de Estatística.
Silêncio perante a polémica do recenseamento eleitoral em Moçambique
"Mandei os dados definitivos das pessoas com 18 anos ou mais. O objetivo era que ele fizesse a reconciliação [dos dados]. O papel do INE termina aí, [por isso] pedimos que a sociedade não nos venha pedir explicações porque nós não sabemos qual é a metodologia que o STAE usou para produzir aqueles números", concluiu o diretor.
Críticas à CNE...mas também à RENAMO
O jurista e jornalista Ercinio de Salema diz ter confiança na CNE e acredita que a qualquer momento esta deverá pronunciar-se sobre a polémica. "Se se confirmar que há equívoco nos dados, a CNE deve celebrar o fato de o INE ter feito esse esclarecimento antes das eleições. Imagine se isso viesse ao terreno depois da votação. Seria naturalmente fonte para conflitos eleitorais que ninguém quer", considera.
Para o jurista, é chegado o momento de o órgão se profissionalizar, "em obediência aquilo que é o postulado da constitucional de que a CNE é um órgão independente e imparcial mas que se acha que neste momento é partidarizado". "Imaginemos se tivéssemos como país uma CNE profissionalizada e profissional", conclui.
Já o analista político Armando Boene prefere focar o seu argumento nos prazos dados para que os partidos políticos reclamassem em casos de ilicitudes no registo eleitoral.
Boene criticou a RENAMO por não ter apresentado a queixa antes, pois segundo argumenta, o maior partido da oposição tem seus elementos nas comissões distritais de eleições.
"O que significa que todos os atos que qualquer cidadão, qualquer partido ou qualquer organização da sociedade civil entender que terá sido praticado um ato ilícito ao processo de recenseamento deve a qualquer momento, três dias depois, interpor a devida reclamação” reclamou Boene.
A DW África tentou, sem sucesso, ouvir a FRELIMO sobre este caso.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)