Tribunal Judicial da cidade de Pemba, em Cabo Delgado, proferiu o veredito que envolveu em abril de 2017 o espancamento e detenção do fotojornalista moçambicano Estácio Valói, em pleno exercício das suas funções.
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Na sentença proferida esta quarta-feira (27.03), o Tribunal Judicial da cidade de Pemba na província moçambicana de Cabo Delgado condenou os agentes Aires Aureliano Tiquelia e Augusto Castigo José Guta a penas de cinco meses de prisão e o pagamento de uma indemnização no valor de 50 mil meticais, cerca de 700 euros, ao fotofornalista Estácio Valói.
Segundo a juíza Felicidade Fremo, que julgou o caso, Valói foi intercetado por agentes da polícia quando, a 7 de abril de 2017, realizava uma reportagem fotográfica numa cerimónia pública alusiva ao Dia da Mulher Moçambicana.
Na altura, os agentes exigiram que o fotojornalista se identificasse. Durante a discussão e sem qualquer consenso, o co-réu Augusto Guta e um outro agente não identificado conduziram o ofendido numa viatura da polícia à 2ª esquadra da cidade de Pemba.
Material apreendido
O co-réu Aires Tiquelia, que à data dos fatos exercia as funções de Comandante da 2ª Esquadra, ordenou que o ofendido fosse algemado e colocado numa cela com outros detidos. Estácio Valói teve de entregar o seu material de trabalho, que consistia numa camera fotográfica e respetivo cartão de memória. Mesmo depois de apresentar a sua credencial, o fotojornalista permaneceu detido por cerca de duas horas.
No tribunal, ficou agora provado que os co-réus praticaram o crime de violência no exercício das funções públicas, que é previsto e punido nos termos do artigo 498 do Código Penal, sancionável com pena de prisão de um a seis meses.
Na mesma circunstância, aquele órgão da administração da justiça, absolveu o réu Cornélio Albino Tuvane, que na altura exercia as funções de Comandante da Polícia Municipal por não ter sido provado o seu envolvimento no caso.Ao ler a sentença ditada esta quarta-feira (27.03.), a juíza Felicidade Fremo anunciou que "por unanimidade, em nome da lei e da República de Moçambique decidiu absolver o réu Cornélio Albino, por entender que este não cometeu o crime de que é acusado. Por outro lado, são condenados os co-réus Aires Aureliano Tiquelia e Augusto Castigo José Guta, a igual pena de cinco meses de prisão”.
Moçambique: Agentes da polícia condenados em tribunal por agressão a fotojornalista
Pena inclui indemnização
Os condenados deverão ainda indemnizar Estácio Valoi, no valor de 50 mil meticais (700 euros), pagarem individualmente o imposto de justiça e emolumentos à favor do defensor oficioso.
"Nos termos das conjugações legais dos artigos 102, número Um, alínea A, 114, número Um e 115, todos do código penal, fica a execução da pena suspensa por um período de dois anos, atendendo e considerando o fato que esses co-réus são primários", acrescntou a juiza Felicidade Fremo.Dionísio Pedro, advogado do fotojornalista, considerou a sentença como justa e uma forma de desencorajar os excessos praticados por agentes da polícia, perante a atividade jornalística.
Excesso por parte dos agentes
Para este magistrado, houve sim um excesso por parte dos agentes ao impedir o exercício da atividade jornalística. Ele alerta que "para proibirmos alguma coisa de se fazer é preciso que haja legislação. Depois, se é proibido fazer-se a captação de imagens é preciso que haja uma sinalização neste sítio. Num espaço público, podemos sim fazer a captação de imagens. Se a polícia ou qualquer agente tenta reprimir esta função do jornalista, que tenha como base alguma lei".
No seio dos jornalistas de Cabo Delgado as opiniões estão divididas. Alguns deles que falaram à DW Africa consideram que a pena aplicada aos infratores foi leve.
É o caso de Milda Quaria, jornalista da Rádio Sem Fronteira. "Geralmente as pessoas não tem noção da infração que cometeram quando não sentem as consequências do seu erro", destacou.
Hizidine Achá, da televisão privada STV, diz estar satisfeito com o veredito e espera que o Ministério Público fiscalize o cumprimento desta decisão, pois, no seu entender com a sentença condenatória a agentes da policia, a classe jornalística poderá correr alguns riscos, nomeadamente atos de vingança por parte dos agentes.
"Virou hábito a proibição de captação de imagens, mesmo a recolha de informações em lugares públicos, sobretudo quando começaram os ataques armados à região de Cabo Delgado. Então, espero que a polícia consiga saber onde de fato deve proibir a captação de imagens, para que o jornalista possa fazer o seu trabalho com total segurança", afirmou Achá.
Milda Quaria aproveita para deixar um apelo às autoridades: "Queremos ir buscar imagens de fatos, imagens daquilo que está a acontecer, porque nós queremos informar Moçambique, sobre o que está a acontecer”.
Ação contra militares
Recorde-se que o fotojornlista Estácio Valói esteve também sob custódia militar por 48 horas (entre 16 e 18 de dezembro de 2018), quando realizava uma reportagem fotográfica na região entre os distritos de Palma e Mocímboa da Praia.
Também o equipamento de trabalho e o telemóvel foram apreendidos pelos militares. Valói em entrevista à DW disse na altura que "vamos entrar com uma ação contra estes militares, porque achamos que estamos num Estado de direito. Muito mais além do que é a liberdade de imprensa é a de expressão. E o tratamento que tive foi de ameaça de morte".
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.