Agentes de autoridade envolvidos em raptos e extorsão
Leonel Matias (Maputo)
8 de setembro de 2021
Em Moçambique, o Serviço Nacional de Investigação Criminal, SERNIC, revelou esta quarta feira (08.09) novos casos que indiciam o envolvimento de agentes da corporação em corrupção e extorsão.
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O Serviço Nacional de Investigação Criminal, SERNIC, informou numa conferência de imprensa que deteve um agente da polícia e outros dois individuos indiciados de envolvimento no rapto, no último fim de semana, de um motorista de transporte de longo curso, que viajava de Maputo para a cidade da Beira.
"Estes cidadãos, incluindo o agente da PRM (Polícia da República de Moçambique), que era o cabecilha desta quadrilha, sob ameaças e coacção física, levaram-no até a uma residência no bairro do Jardim com o intuito de extorqui-lo valores monetários como forma de garantir a sua liberdade. Exigiram 50 mil meticais (cerca de 675 euros) para libertarem o motorista", disse em conferência de imprensa Hilário Lole, porta voz do SERNIC na capital, Maputo.
Rapto, extorção e contrafacção
Ainda em Maputo, a polícia deteve dois indivíduos de nacionalidade angolana indiciados pela prática do crime de contrafacção de moeda.
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Lole revelou que os detidos fazem parte de uma quadrilha transnacional. Há cúmplices que continuam a monte, nomeadamente dois mocambicanos, um angolano e um sul africano. Segundo o porta voz, o grupo foi encontrado na posse de um cofre com 16.600 dólares americanos falsos.
Na província de Maputo, um número não determinado de quadros do Serviço de Investigação Criminal acabam de ser suspensos das suas actividades por alegado envolvimento em casos de rapto e extorsão. O director local do SERNIC, Arlindo Bechane, confirma a medida.
"O fundo da suspensão não posso precisar. Acho melhor reservar essa matéria para a comissão de inquérito que está a trabalhar nisso. No momento oportuno, a direção-geral vai-se pronunciar".
Corrupção exige "medidas enérgicas"
Há cerca de um mês, o Serviço de Investigação Criminal anunciou a expulsão de onze membros da corporação no país acusados da prática de diversos delitos, destacando-se raptos, roubo e associação para delinquir.
Para o analista Dércio Alfazema o problema de corrupção no país mais que preocupante, é "bastante assustador".
"O problema não é somente da polícia ou da SERNIC, porque estas questões da corrupção e da falta de integridade estão quase que generalizadas um pouco por todos os setores. Temos de resolver este problema de uma forma mais estrutural. Precisamos de dar um tratamento diferenciado a casos associados a corrupção e não permitir que sejam tratados como um crime comum. Precisamos de ter medidas mais enérgicas para resolver o problema de corrupção", disse Alfazema à DW África.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.