Embora a Amnistia Internacional esteja satisfeita, ela quer do Governo mais justiça para as comunidades afetadas pela exploração irresponsável de areias pesadas. A ONG também quer mais respeito pelos direitos humanos.
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A decisão do Governo é uma reação a publicação do relatório da ONG de defesa dos direitos humanos em março de 2018 a denunciar as violações da empresa chinesa, Haiyu Mozambique Mining. A mineradora que explorava areias pesadas em Nagonha, província nortenha de Nampula, terá causado danos humanos e materiais. A DW África conversou com Catarina Prata, coordenadora de investigação e advocacia da Amnistia Internacional (AI).
DW África: Face as denúncias de práticas irresponsáveis e violações na exploração de areias pesadas em Nagonha, o Governo moçambicano suspendeu as atividades da empresa chinesa Haiyu Mozambique Mining. É uma primeira batalha vencida na luta das comunidades afetadas e da AI?
AI aplaude fim da exploração de areias pesadas em Nagonha
Catarina Prata (CP): Exatamente. Esta decisão do Governo moçambicano de suspender as operações da empresa Haiyu é uma medida muito bem-vinda, é uma pequena batalha [vencida], mas falta o mais importante: haver uma real e efetiva proteção dos direitos humanos da população de Nagonha onde a comunidade seja genuinamente consultada no processo de avaliação de impacto ambiental e as famílias que sofreram danos com as cheias de 2015 sejam ressarcidas.
DW África: Entretanto, a consulta as comunidades tem sido uma prática do Governo moçambicano e há exemplos disso em outros projetos de exploração de recursos naturais. O que terá falhado neste caso em particular?
CP: Não temos conhecimento, mas sabemos que esta empresa não procedeu nem a avaliação de impacto e nem a consulta as populações. A falta de exigências por parte do Governo poderá ter ficado a dever-se a pressões ou até a atuação ilegítima da própria empresa.
DW África: Para a Amnistia Internacional o Governo terá falhado em questões de regulamentação. O que vos fez concluir isso?
CP: A partir do momento em que há leis nacionais e internacionais a que Moçambique está obrigado a [cumprir], que exigem a avaliação de impacto, consulta as populações, no momento em que o Governo falha na supervisão e na implementação dessas leis, [então] há uma falha do próprio Governo e uma desproteção do Governo da sua própria população.
DW África: As comunidades afetadas exigem indemnizações pelas perdas resultantes da mineração irresponsável, mas a mineradora chinesa nega responsabilidades e a ressarcir essas comunidades. Qual seria o próximo passo nesse contencioso? Ir à justiça?
CP: Isso será sempre uma opção. Poderá também passar por medidas do próprio Governo moçambicano, uma vez que também há aqui responsabilidades do próprio Governo, [então] poderia ser o Governo a assumir essa obrigação de ressarcir e depois chegar a entendimento com a empresa. Aqui a questão é que o negar de responsabilidades da empresa de nada vale perante a factualidades e as provas contundentes aceites pelo Governo moçambicano de que esta empresa é responsável pelo que aconteceu em 2015 e que levaram a destruição de 48 casas e 198 pessoas sem abrigo.
DW África: Sob o ponto de vista ambiental houve danos, segundo a AI. Quer contar os estragos constatados pela sua organização?
CP: Trouxe não só prejuízos para a vida humana, mas também a destruição de património natural. Mesmo esta extração de areia e todo o impacto que tem na erosão dos solos, a entrada demasiada de água doce no mar também desequilibra os ecossistemas. Portanto, não só há prejuízos a nível ambiental, mas principalmente o que a AI defende aqui é que esses danos ambientais tiveram um impacto humano nos direitos e na vivência salutar dessa comunidade de Nagonha.
As riquezas minerais de Nampula
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo.
Foto: DW/Petra Aschoff
Cadeia de riquezas minerais
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo. As areias pesadas da região são parte de uma cadeia de dunas que se estendem desde o Quénia até Richards Bay, na África do Sul. Em Moma, exploram-se os bancos de areia de Namalote e as dunas de Topuito.
Foto: Petra Aschoff
Areias para diferentes indústrias
Unidade de lavagem de areias pesadas da mineradora irlandesa Kenmare, um dos chamados "megaprojetos" estrangeiros em Moçambique. A ilmenite, o zircão e o rutilo, extraídos das areias, são usados, respetivamente, na indústria de pigmentos, cerâmica e na produção de titânio. O rutilo, um óxido de titânio, é fundamental para a produção do titânio usado para a construção de aviões.
Foto: Petra Aschoff
Lucro após prejuízo
Os produtos são transportados através de um tapete rolante até um pontão no Oceano Índico. Segundo media moçambicanos, a extração de areias pesadas na mina de Topuito, em Moma, resultou num lucro de 39 milhões de dólares no primeiro semestre de 2012. No mesmo período de 2011, a empresa registou prejuízo de 14 milhões por causa da baixa dos preços devido à crise económica mundial.
Foto: Petra Aschoff
Problemas trabalhistas?
O semanário moçambicano Savana repercutiu, em outubro de 2011, a decisão do ministério do Trabalho de suspender 51 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal na Kenmare. Segundo o Savana, na mesma altura, a Inspeção Geral do Trabalho descobriu que 120 trabalhadores indianos estavam para ser recrutados pela Kenmare. O recrutamento foi cancelado.
Foto: Petra Aschoff
Mudança de aldeia
Para poder explorar as areias pesadas em Nampula, entre 2007 e 2010 a mineradora irlandesa Kenmare transferiu as moradias de centenas de pessoas na localidade de Moma, no norte do país. A empresa prometeu acesso à água, casas melhores e postos de saúde. Na foto, nova escola primária para a população local.
Foto: Petra Aschoff
Acesso à água
Em 2011, o novo bairro de Mutittikoma, em Moma, ainda não tinha um poço d'água. Esta é transportada até o vilarejo com um camião cisterna. O acesso à água também é garantido com uma tubulação que a Kenmare instalou ali. Porém, como a mangueira só deixa correr um fio d'água, as mulheres que vêm buscá-la esperam no sol durante horas a fio para encher baldes e recipientes.
Foto: Petra Aschoff
Responsabilidade social
Uma casa construída pela Kenmare para a população desalojada por causa da exploração das areias pesadas em Moma. No início de setembro, Luísa Diogo, antiga primeira-ministra de Moçambique, disse que o país deve estar "muito atento" para que os grandes projetos de recursos naturais – como carvão e gás – beneficiem as populações. Ela também defende renegociação de contratos multinacionais.
Foto: Petra Aschoff
Em busca do brilho
Para além das areias pesadas, o solo da parte sul da província moçambicana de Nampula oferece mais riquezas. Na foto: garimpeiros à procura da pedra preciosa turmalina em Mogovolas. Os garimpeiros recebem cerca de um euro por dia para cavar buracos com vários metros de profundidade. As pedras são vendidas a um comerciante intermediário.
Foto: Petra Aschoff
Verde raro
As pedras de turmalina costumam ter várias cores. Uma das mais conhecidas é a verde. Mas existe outro verde precioso que se torna cada vez mais raro em Mogovolas: o da vegetação. Os buracos cavados pelos garimpeiros podem não ter pedras, mas permanecem após a escavação e sofrem erosão. As plantas não são plantadas novamente, apesar de a recomposição da vegetação ser prevista pela lei.