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Ainda cabe a reconciliação no alinhamento RENAMO - FRELIMO?

21 de abril de 2021

"Houve mudança na postura pública do líder da RENAMO, aparentando redução do nível de conflito, mas não é verdade", afirma especialista em justiça social. O facto alimenta desconfiança que afeta a reconciliação nacional.

Friedensvertrag Mosambik
Filipe Nyusi (esq.), Presidente de Moçambique, e Ossufo Momade, líder da RENAMOFoto: DW/A. Sebastião

A desconfiança entre a RENAMO, maior partido da oposição em Moçambique, e o Governo da FRELIMO está longe do fim, entende Victor Igreja, da Universidade de Southern Queensland, na Austrália. O especialista em reconciliação e justiça social reconhece que "os níveis de conflitualidade pública entre as partes reduziram, mas isso não significa que os dois partidos estejam alinhados".

Sobre o processo de Desmilitarização, Desarmamento e Reintegração (DDR), o moçambicano acredita que existe uma vontade da parte do Governo para, de uma vez por todas, retificar os erros do passado e de conduzir este processo com algum sentido de Estado.

DW África: A RENAMO e o Governo da FRELIMO mostram-se bem alinhados depois da morte de Afonso Dhlakama. Seria desnecessário pedir valores como reconciliação?

Victor Igreja (VI): Penso que a RENAMO e a FRELIMO não estão alinhados, os níveis de conflitualidade pública reduziram, mas isso não significa que os dois partidos estejam alinhados. E neste sentido o problema da reconciliação continua ainda uma realidade e é necessário que se tome a sério o processo nacional. Alias, o próprio líder da RENAMO [Ossufo Momade] já veio a público informar que seria necessário criar-se uma comissão para gerir todo este processo da reconciliação nacional.

DW África: Terá, de facto, acabado a desconfiança que sempre caracterizou a sua relação ou a fase boa deve-se apenas ao "alinhamento" garantido por Ossufo Momade e Nyusi?

Victor Igreja, especialista em justiça socialFoto: Privat

VI: A desconfiança entre os dois partidos persiste, tanto mais que mesmo após a morte de Afonso Dhlakama e a ascensão de Ossufo Momade tem havido relatórios e reportagens que mostram que membros da RENAMO continuam a ser perseguidos pelos chamados esquadrões da morte e isso continua a gerar muita tensão entre os dois partidos. É verdade que houve uma mudança na postura pública do novo líder da RENAMO, e neste sentido pode dar a entender que o nível de conflito reduziu, mas não. E isso continua a alimentar este clima de desconfiança que perturba o processo de reconciliação nacional.

DW África: Que diferenças vê entre a atual desmobilização e integração dos homens da RENAMO e a que foi feita depois da guerra dos 16 anos?

VI: Claramente existem diferenças. O processo de desmobilização de 4 de outubro de 1992 foi um processo bastante grande, que foi recebido pelos soldados como um momento de festa, de unidade e de paz, porque tinham passado cerca de duas décadas na guerra e os soldados, tanto do lado da RENAMO como do lado do Governo da FRELIMO, estavam cansados da guerra. Enquanto que este novo processo de reconciliação e desmobilização consiste em retificar um conjunto de erros que o Governo cometeu, sobretudo ao não tomar a sério o facto de que havia ainda muitos soldados da RENAMO que não tinham sido desmobilizados e o Governo da FRELIMO tentou jogar um jogo político em relação à existência destes homens. Não houve um interesse claro do Governo ao longo destes anos em desmobilizar estes homens, porque isso servia a agenda política do partido de acusar a RENAMO de ser continuamente um partido belicista e somente interessado na guerra. Por isso, nunca tomaram a sério o processo de desmobilização. Portanto, o processo de desmobilização que ocorre agora é o resultado de erros acumulados pelo partido FRELIMO e não é comparável com o processo que ocorreu inicialmente, em 1992.

DW África: Vê algum aspeto mal ponderado que possa vir a ser foco de tensões?

Mariano Nhongo, líder da Junta Militar dissidente da RENAMOFoto: DW/A. Sebastião

VI: Penso que o atual processo de desmobilização não está a decorrer como estava planeado. Por um lado, isto tem a ver com a falta de financiamentos que têm chegado muito atrasados por parte da comunidade europeia. Mas por outro lado houve um atraso por causa da pandemia da Covid-19. Por enquanto parece-me que existe uma vontade da parte do Governo para, de uma vez por todas, retificar os erros do passado e conduzir este processo com algum sentido de Estado e alguma transparência para que possa ocorrer com uma certa clareza e confiança dos dois lados. Mas, ao mesmo tempo, neste momento o país está envolvido num conflito armado no norte [Cabo Delgado], o que fez com que as prioridades do Governo mudassem nos últimos 24 meses, e sobretudo nos últimos 12 meses, e a atenção, em termos militares, está focada para o norte. Ao mesmo tempo, o facto de ter surgido a Junta Militar dissidente da RENAMO que tem feito ataques complicou as contas do lado da FRELIMO e da RENAMO. O que vai manter as tensões ao nível do atual processo de desmobilização é a Junta Militar que continua a fazer ataques e ameaças, o que cria um certo contexto de instabilidade, sobretudo no centro de Moçambique.

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