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Moçambique: Armas ainda soam um ano após o Acordo de Paz

Arcénio Sebastião (Beira)
1 de agosto de 2020

A 1 de agosto de 2019, o Presidente Filipe Nyusi e o líder da RENAMO, Ossufo Momade, assinavam o acordo de cessação das hostilidades militares. Um ano depois, ainda não há paz efetiva.

Friedensvertrag Mosambik
Foto: DW/A. Sebastião

Há precisamente um ano, ao início da tarde de quinta-feira, 1 de agosto de 2019, todas as atenções estavam voltadas para a Gorongosa: Moçambique e o mundo assistiam à assinatura de um acordo que punha fim a um longo processo de negociações entre o Governo e a oposição para cessar as hostilidades militares. O conflito durava desde abril de 2013, quando se registaram os primeiros confrontos entre as forças governamentais e alegados homens Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), em Chibabava, na província de Sofala, centro de Moçambique.

Com a assinatura do histórico Acordo de Cessação de Hostilidades militares, o Presidente da República, Filipe Nyusi, e o líder do maior partido da oposição, Ossufo Momade, comprometiam-se com a paz efetiva no país. Mas a tarefa não se adivinhava fácil. "No mesmo dia em que se assinou o acordo, houve um ataque", lembra o jornalista Edwin Hounnou, recordando o ataque armado na zona de Piro, na Gorongosa, junto à Estrada Nacional 1 - mais um de uma série de ataques que continuavam a ocorrer na região, apontados a um grupo dissidente desde março de 2019, a autoproclamada Junta Militar da RENAMO, liderada pelo general Mariano Nhongo.

"De lá a esta parte, nunca pararam. Pelo contrário, vão intensificando", sublinha o também analista político.

"Violaram o acordo de Dhlakama"

O ponto número um na agenda, com a assinatura do acordo, continuava a ser o desarmamento dos homens da RENAMO, um processo iniciado pelo líder histórico do partido Afonso Dhlakama, que morreu em 2018, vítima de doença. E sucediam-se os apelos à calma e à inclusão do grupo dissidente que contestava a liderança de Momade.

Um ano depois, Mariano Nhongo continua a desvalorizar o acordo assinado a 1 de agosto de 2019 e jura a pés juntos que não vai descansar enquanto o líder da RENAMO não for destituído. "Aquilo foi um engano, Nyusi e Ossufo enganaram o povo, enganaram a RENAMO", garante.

O DDR esteve parado quase um ano. Em junho, Nyusi e Momade encontraram-se e relançaram o processoFoto: DW/A. Sebastião

"A guerra não está assinada, porque o presidente Dhlakama queria que primeiro houvesse enquadramento [dos homens da RENAMO] na Polícia, no FIRE, no Exército e no SISE, mas Ossufo e a FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique] enganaram o povo e disseram ‘já assinámos, a  guerra acabou', então se a guerra acabou, esse disparo saiu de onde?", questiona, em entrevista à DW África, este sábado (01.08).

O centro de Moçambique continua a ser alvo de ataques. O Governo aponta o dedo à Junta Militar – que reivindicou alguns – mas Mariano Nhongo devolve as acusações, em entrevista à DW: "Todo o ano, lá na zona centro, houve sequestros, morreram muitos membros da RENAMO, crianças, mulheres, homens, significa o quê? No sul não houve sequestros, agora analisem lá se o próprio Governo mata pessoas que estão no centro e no sul não, significa o quê?"

Para o líder da junta dissidente, os ataques são uma das obras dos signatários do "acordo enganador" que não tinha condições para ser cumprido, "porque Ossufo e Nyusi violaram o acordo de Afonso Dhlakama".

Tropeçar na mesma pedra

O jornalista Edwin Hounnou chama-lhe um "acordo falhado", que satisfaz, no entanto, algumas necessidades de alguns membros da RENAMO. E o fracasso, explica, dá-se porque "a RENAMO tropeça na mesma pedra desde o Acordo de Roma - a RENAMO gosta muito de secretismo".

"O país tem centenas de cientistas, centenas de académicos, centenas de intelectuais" que poderiam ajudar a lidar com estes "temas sensíveis", considera o analista. "Mas a RENAMO continua a assinar acordos às escondidas".

Edwin HonnouFoto: DW/A. Sebastião

"À primeira vista, via-se que este acordo não tinha pés para andar". A FRELIMO e a RENAMO, acrescenta, podem estar "habituados a assinar acordos para viabilizar eleições", mas o acordo "não é inclusivo".

"Os guerrilheiros da RENAMO dissidentes dizem que este acordo não satisfaz as suas ambições, não justifica o sacrifício que estes consentiram durante anos e anos de luta. A outra parte diz que este acordo é bom vamos para frente. Porquê? Eu não sei que pedra cada um tem debaixo do seu sapato, o certo é que este acordo, na minha opinião, não é bom", conclui o analista.

Os dissidentes, na voz de Mariano Nhongo, apontam uma única solução: "A guerra não está assinada, por isso ouvem-se disparos. Se o Governo quer que haja assinatura, tem de negociar com a Junta Militar e há-de haver assinatura", frisa o líder da Junta Militar.

Já o académico Paulo de Sousa diz que a solução tem de vir de dentro: "É um conflito interno da RENAMO, com um conjunto de quesitos de uma parte oficial e esta parte dissidente. É preciso os dois sentarem-se e encontrarem mecanismos equitativos de satisfação de interesses e deixarem o povo e a população em paz".

"Conhecemos os bandidos"

Paulo de Sousa é uma das pessoas que olham para este acordo como um dos ganhos maiores do Governo. O académico tem acompanhado atentamente os desenvolvimentos das negociações até à atual fase do DDR – Desarmamento, Desmobilização e Reintegração, e saúda as partes signatárias. "Sob o ponto de vista de oficialização, de responsabilização, valeu a pena", considera. "Temos um acordo e os pactos são para serem cumpridos".

Moçambique: Desmobilizados da RENAMO vivem com medo

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"A RENAMO tem a sua responsabilidade, o Governo também tem a sua responsabilidade, então este processo é importante. Tem as suas vantagens, porque vimos e conhecemos quem são os bandidos, quem são os que atualmente ameaçam a integridade pública", sublinha.

No entanto, com o surgimento da autoproclamada Junta Militar da RENAMO, o académico suspeita que os objetivos da assinatura possam mais tarde descarrilar, uma vez que "se encontram ameaçados".

"Temos aqui um imbróglio", afirma. "Do ponto de vista do alcance da paz efetiva, que atualmente se previa ter já encerrado com este acordo, mas surge então esta força paralela, um dos braços que se retirou da RENAMO e que continua a atentar contra a segurança e tranquilidade públicas".

Seria a Junta Militar uma criação da própria RENAMO para não entregar as armas na totalidade? "Em termos estratégicos militares, esta é uma hipótese positiva, ou seja, uma hipótese segura para RENAMO", responde Paulo de Sousa. "A história da RENAMO confunde-se com uma história de guerra, uma história de conflitos, uma história de posse de armas, e o acordo que veio a ser assinado deixou alguns perplexos, com alguma insegurança de eficácia".

A solução para o "imbróglio", conclui o académico, só pode vir da própria RENAMO, quando "começar a redobrar os esforços".

Os ataques, sublinha, ocorrem sempre nos mesmos locais e nas mesmas regiões e os responsáveis são conhecidos: "Têm generais, têm capitães, tenentes que a própria estrutura, o atual líder da RENAMO, Ossufo Momade, conhece. Aliado a isto, conhece os mecanismos estratégicos militares dessa estrutura e, no final, também conhece os interesses".

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