Alunos de Manica não vão às aulas com medo de ataques
Bernardo Jequete (Manica)
22 de outubro de 2020
Alunos da província de Manica relatam que ainda não regressaram às aulas com medo de novos ataques da Junta Militar da RENAMO. Algumas escolas das zonas de risco não chegaram a abrir, mas há opções para deslocados.
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Onze escolas dentre primárias e secundárias do distrito de Gondola, província de Manica, centro de Moçambique, não irão retomar as aulas este ano por se encontrarem em áreas de ataques protagonizados pela autoproclamada Junta Militar da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). O Sector de Educação e Desenvolvimento Humano na província de Manica informa que mais de 5.250 alunos e 131 professores serão afetados.
Os ataques da autoproclamada Junta Militar da RENAMO provocaram a deslocação de milhares de pessoas nas províncias de Manica e Sofala. Em Manica, quase 700 famílias são diretamente afetadas pela crise de segurança nos distritos de Mucorodzi, Madziachena, Macate, Muda-serração, Pinanganga e outros pontos abrangidos.
Josefa Zarias, aluno da 10ª classe, acolhido na comunidade de Massequesse, em Muda-Serração apela à Junta Militar da RENAMO a dar tréguas, pois acredita que os ataques criam o clima de medo, que interrompe o acesso à educação e amputa os sonhos de muitos jovens.
Insegurança nas escolas
O estudante de 16 anos de idade disse não estar a ir a escola por causa do coronavírus e “dessa guerra aqui” que “começou no ano passado neste mês de outubro e novembro”.
“Assim, estamos a ficar como malucos mesmo, porque quando as pessoas ficam sem estudar não ficam bem. Gostaria que o Governo falasse bem com esse senhor que está a fazer guerra, combinasse com ele bem para não continuar isso aqui. Ou ouvir o que ele quer, todo o problema se resolve falando. Quando ele faz guerra, queima carros, isso não fica bem”, queixa-se.
Johane Fernando é outro aluno entrevistado pela DW África. Morador de Gondola, o jovem considera a situação no seu distrito, Manica, dramática e diz que ele e os seus irmãos não vão a escola desde o ano passado por causa dos ataques.
“A situação está mal porque tenho os meus irmãos aqui. Não vão à escola por causa dessa guerra e do medo também. Gostaria que o Governo mantivesse a segurança para tentar ajudar as pessoas a andarem à vontade na estrada a ir a escola”, pede.
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Intervenção das FDS
Mário Fernando, pai e encarregado de educação em Gondola, pede ao Governo para colocar fim às ameaças da autoproclamada Junta Militar da RENAMO para que os seus filhos prossigam com o ensino e aprendizagem. Segundo ele o futuro das crianças vem através dos estudos.
Este pai pede ao Governo para colocar as Forças de Defesa e Segurança (FDS) nas escolas para puderem garantir a segurança das crianças. Defende que “sem isso as nossas crianças vão ficar marginais pois, não sabemos quando é que isso poderá acabar.”
“Principalmente as crianças da primeira e segunda classe não sabem fugir dos malfeitores, por isso devia-se criar condições para que haja segurança definitiva na região para garantir a continuidade dos alunos aos estudos, que abandonaram por forca dos ataques”, protesta.
Solução temporária
Covid-19: Professores "ambulantes" em Manica
03:54
João Tricano, porta-voz da Educação e Desenvolvimento Humano em Manica, disse que alguns alunos da 10ª classe foram acolhidos em dois centros de acomodação para que continuem com as aulas. Mas há receio de muitos em regressar às aulas por causa dos ataques.
“Foram criadas as condições em dois centros de acomodação para essas crianças que se deslocaram das zonas de conflitos. Temos o centro de Massequesse, isso em Muda-Serração na zona de Chibuto 2, e na Vila de Gondola temos outro centro de acomodação”, especifica.
“Estão lá um total de 600 alunos, segundo o registo que tivemos até à semana passada. E este número pode alterar porque sempre vão aparecendo crianças e nós fazemos o levantamento dos que estão a estudar”, divulga o porta-voz.
Convite ao processo de DDR
A governadora de Manica, Francisca Domingos Tomas, condena as incursões dos homens armados, porque estaria a criar retrocesso às famílias moçambicanas bem como ao desenvolvimento do país. Tomas convida o líder da autoproclamada Junta Militar para aderir ao processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR).
“Nós vamos também enquadrar essas crianças nas outras escolas que vão poder reiniciar com as aulas, porque as suas escolas lá estão totalmente [seguras], nas zonas onde não podem ir que não está seguro”, esclarece a governadora.
As referidas famílias fugiram das suas regiões, deixando todos os seus haveres incluindo as residências, produção agrícola, animais domésticos, roupas e outros pertences. E estão a reiniciar a vida a partir do nada.
Moçambique: Os jovens carregadores de Manica
Carregar mercadorias à cabeça é uma profissão comum em Manica. O trabalho é pesado e implica competir com colegas e transportes de passageiros pelos clientes. Ainda assim, também há crianças entre os carregadores.
Foto: DW/B. Jequete
Usar a cabeça
Os carregadores transportam diversos tipos de mercadorias ou bagagem de um ponto para o outro, usando a cabeça como suporte. Este é o ganha-pão de muitos jovens moçambicanos, que assim conseguem garantir a sustentabilidade da família. Mesmo que a bagagem seja pesada, os carregadores não têm "mãos a medir".
Foto: DW/B. Jequete
Quando não há emprego
Na maioria, os carregadores são jovens escolarizados, mas fazem carga e descarga de produtos em viaturas, usando a cabeça para ganhar dinheiro. Há também chefes de família nesta profissão: os filhos frequentam a escola graças a esta atividade. Mas muitas pessoas evitam assumir-se como carregadores, por vergonha.
Foto: DW/B. Jequete
Amigos, amigos... Negócios à parte
Os carregadores são amigos, mas apenas de "trincheira". Quando acaba de chegar um camião contendo mercadoria para ser carregada, há muitas vezes troca de "mimos" na disputa pelo trabalho. Não são raros os empurrões para decidir quem ganha mais lotes para transportar: quanto maior for o número de mercadorias, maior será o valor recebido ao final do dia.
Foto: DW/B. Jequete
Carregadores VS Chapas
Também os transportes de passageiros ou chapas são vistos como adversários diretos dos carregadores. Os motoristas acabam por usar a parte de cima dos veículos como bagageira. "Nos últimos dias, não temos tido movimento, porque muitos são enganados pelos cobradores [de bilhetes dos chapas] para que as suas bagagens sejam levadas nos <i>minibuses</i>", diz um carregador ouvido pela DW em Manica.
Foto: DW/B. Jequete
Poupar no transporte
Algumas "mamanas", mulheres moçambicanas, recusam recorrer aos serviços dos carregadores. Percorrem longas distâncias com muito peso à cabeça, mas não desistem de o fazer para poupar dinheiro. Por vezes, os carregadores cobram valores que chegam quase à metade do preço do produto a ser transportado. "Não faz sentido mandar carregar, preferimos fazê-lo sozinhas", afirmam.
Foto: DW/B. Jequete
Descansar o pescoço
Elídio Morais, pai de três filhos, decidiu comprar uma bicicleta após cinco anos a carregar mercadorias à cabeça, numa altura em que já sentia que "o pescoço se atrofiava". Usa a bicicleta para fazer o mesmo trabalho e consegue alimentar a sua família. Encoraja os jovens que se envolvem na criminalidade alegando a falta de emprego a enveredar pela ocupação de carregador: "Há espaço para todos".
Foto: DW/B. Jequete
Trabalho infantil
No Mercado 38mm, o maior mercado grossista em Chimoio, há quem pague às crianças que por ali circulam em busca de produtos rejeitados para carregarem mercadorias. Nestes casos, é o proprietário da carga quem estipula o preço. Mas há quem "contrate" estas crianças a baixo custo. E muitas acabam por abandonar a escola. O peso excessivo das cargas é um risco nesta fase de desenvolvimento.
Foto: DW/B. Jequete
Carregar para estudar
Zacarias Fombe, de 16 anos, é carregador. Frequenta a 10ª classe e carrega mercadorias para pagar os estudos. Quer ser funcionário público e ajudar os irmãos a estudar. "Um dia estava a passear neste mercado e um senhor chamou-me para transportar a sua bagagem. Vi que o meu problema seria resolvido com esta atividade", conta.
Foto: DW/B. Jequete
Pagar para carregar: um desperdício?
Joelma Banda, acompanhada pela irmã, conta à DW que está na fase inicial do seu negócio e, por isso, opta por carregar sozinha o produto. Pagar a um carregador é um desperdício: o valor cobrado pode ser usado para investir no seu negócio ou comprar comida para casa. Quando o negócio aumentar, diz Joelma, já poderá contratar carregadores.
Foto: DW/B. Jequete
A alma do negócio
Abrãao Fazbem, de 18 anos, foi carregador. Mas não por muito tempo. Entrou na atividade com o intuito de ganhar dinheiro para começar o seu próprio negócio. "Fi-lo durante alguns meses. Quando consegui juntar um valor, deixei e parti para o mundo do negócio. Vendo sacos de plástico e temperos", conta o jovem. De manhã, trabalha no mercado, à tarde vai à escola.
Foto: DW/B. Jequete
De carregador para "tchoveiro"
Os "tchovas", carrinhos de mão de tração humana, mudaram a vida de alguns carregadores. Mas os velhos hábitos mantêm-se: quando a carga é pouca, os "tchoveiros" ainda usam a cabeça. Estes e outros veículos são competição direta para os carregadores. Em Manica, cidadãos com viatura própria aproveitam para passar no mercado a caminho do trabalho para carregarem produtos e ganharem um dinheiro extra.
Foto: DW/B. Jequete
As vantagens dos carrinhos de mão
Por vezes, a carga é muita e os carregadores recusam transportar a mercadoria. É aqui
que entram em ação os "tchovas" - um serviço mais caro, mas, ainda assim, mais barato do que alugar uma carrinha. Os carrinhos de mão são os mais solicitados pelos agentes económicos para fazer o transporte dos produtos do mercado grossista para as suas lojas.