O declarante Raúfo Irá, que à data dos fatos era o administrador da empresa MAM, confirmou, em tribunal, que a MAM recebeu um milhão de dólares da Privinvest, cujo fundamento contabilístico não foi especificado.
Publicidade
Nesta quinta-feira, (04.11), o Tribunal de Maputo ouviu, pelo segundo dia, o declarante Raúfo Irá, que foi diretor-geral da GIPS, uma empresa ligada aos serviços secretos moçambicanos. Irá disse em tribunal que recebeu ordens superiores para decidir a subscrição da GIPS, parte do capital social da EMATUM.
Segundo Irá, as ordens foram dadas pelo antigo Presidente do Conselho da Administração das três empresas que contraíram as dívidas, António Carlos do Rosário, e confirmadas pelo diretor-geral do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), também co-réu neste julgamento, Gregório Leão.
"O senhor António Carlos do Rosário foi a pessoa que esteve ligada a este processo todo das empresas, portanto sempre que tivesse alguma dúvida, se a orientação vem de cima do diretor-geral, eu pedia essa confirmação e foi o caso", acrescentou.
Um milhão de dólares
Do Rosário ordenou também ao antigo diretor-geral do GIPS que procedesse para que esta empresa tivesse participação na MAM como acionista maioritário, disse ainda o declarante.
Publicidade
Irá, que era também administrador da MAM, confirmou em tribunal que a empresa recebeu um milhão de dólares da Privinvest, sem fundamento contabilístico justificado.
"O capital social da MAM ainda não tinha sido realizado. Então nós tivemos dificuldades em implantar a empresa e iniciar as atividades. Falei às vezes com o Presidente do Cinselho da Administração da MAM, o Dr. António Carlos do Rosário, e, passado algum tempo, em julho, recebemos instruções dele em que devíamos abrir uma conta em dólares, porque iria entrar valor para a implantação da MAM", especificou.
O declarante explicou que o contrato chave na mão com a Privinvest tinha em vista, entre outros, o fornecimento de material e o treino de pessoal para a implementação do projeto da Zona Económica Exclusiva.
"O contrato chave na mão, resumido é isto: não tenho que me preocupar com nada senão criar as condições que o provedor destes serviços exigir para a implementação do projeto, porque havia premissas da parte do contratante que deviam ser seguidas ou cumpridas para que o projeto se materializasse".
Interesses do Estado
Na esteira deste contrato, o Ministério Público quis saber do declarante se estavam acautelados os interesses do Estado no sentido de prevenir o empolamento dos preços que prejudicaram a Proindicus.
Ana Sheila Marrengula, magistrada do Ministério Público, deu alguns exemplos de subfaturação dos preços dos vários tipos e modelos de embarcações cobrados pela Privinvest.
"O preço cobrado pela Privinvest por cada embarcação interceptor HS é de 32.700.000 dólares e o preço de mercado era de 8 milhões de dólares. Ou seja, por três embarcações o interceptor HS e 32, a Proindicus pagou um total de 98.100.000 dólares quando devia ter pago 24 milhões de dólares, constatando-se uma diferença de 74.100.000 dólares que deveriam ter sido poupados", questionou Marrengula.
O Ministério Público constatou assim que, por causa do empolamento dos preços das embarcações da Proindicus, houve um défice de 259.500.000 dólares. Ao que o declarante justificou:
"Eu não participei nas negociações quer de financiamento quer no contrato de fornecimento. As pessoas que negociaram é que deviam ver este aspeto e tomar as devidas providencias se, efetivamente, se concluir que houve empolamento dos valores. Mas eu não estou em condições de responder esta questão", frisou.
Raúfo Irá é o quinto dos mais de 70 declarantes ligados ao SISE e outros setores do Estado e privados envolvidos nas "Dívidas Ocultas".
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.