Apelos ao fim da violência após novos ataques em Moçambique
Arcénio Sebastião
29 de setembro de 2020
Várias confissões religiosas apelam ao fim da violência no centro de Moçambique, numa altura em que se intensificam os ataques na região, após ameaças de Mariano Nhongo, líder da autoproclamada Junta Militar da RENAMO.
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Mariano Nhongo ameaçou destruir camiões e paralisar a fábrica de açúcar no posto administrativo de Mafambisse, em resposta a uma alegada perseguição à sua família pelas tropas governamentais. Quase duas semanas depois das ameaças, houve novos ataques na região.
Duas pessoas morreram e cinco ficaram feridas num ataque armado no posto administrativo de Dombe, no domingo à tarde. A polícia desconfia que a autoria seja do grupo de Mariano Nhongo.
"Um grupo de homens armados que se presume ser da autoproclamada Junta Militar a RENAMO atacou quatro viaturas, tendo resultado em dois óbitos locais e cinco feridos graves", disse Mateus Mindú, porta-voz da polícia na província de Manica.
Na madrugada de domingo (27.09) para segunda-feira (28.09), houve registo de um novo ataque ao longo da EN1, mas até agora, a polícia não avançou pormenores sobre o incidente.
População pede solução definitiva
No centro de Moçambique, os populares pedem que se chegue a uma solução definitiva para calar as armas da "Junta Militar" de uma vez por todas. João Baptista Jane, líder da comunidade cristã em Mafambisse, é uma das muitas pessoas que clama pelo fim da violência. "A comunidade cristã de Mafambisse está a repudiar os ataques protagonizados. Nós não queremos ataques", sublinha.
João Baptista alerta ainda para as consequências terríveis caso a fábrica de açúcar de Mafambisse seja atacada, como Mariano Nhongo ameaçou. "Mafambisse é a fábrica. Quando se destruir a fábrica é porque Mafambisse acabou. Nós repudiamos isso."
Várias confissões religiosas marcharam na segunda-feira (27.09) em Mafambisse para pedir a cessação das hostilidades.
O padre Jorge, da Igreja Católica em Mafambisse, apela às várias partes que entrem em diálogo para ultrapassar as diferenças. "Nós acreditamos que cabe às pessoas, aos homens, realizar o sonho de Deus de um mundo de paz", diz.
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Nhongo rejeita qualquer mediação
Mas Mariano Nhongo parece não escutar os apelos ao diálogo. O líder da autoproclamada "Junta Militar" da RENAMO rejeita o atual presidente do maior partido da oposição e continua a contestar o acordo de paz que Ossufo Momade assinou com o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, em agosto do ano passado.
Em fevereiro, Nhongo rejeitou uma oferta de mediação do Conselho Cristão de Moçambique e, mais recentemente, em agosto, também recusou a mediação das Nações Unidas.
O líder da "Junta Militar" continua a fazer ameaças. "O mal que está é que o próprio povo carrega homens da FIR [Força de Intervenção Rápida]. Quando os homens da FIR querem procurar o Nhongo, são carregados pelo povo. Qual é a paciência que eu vou ter agora?", pergunta.
Mariano Nhongo deixa também um aviso a quem "carregar" esses militares: "Então baleamos esse carro. […] não vai escapar, mesmo se está cheio de outras pessoas, nós abatemos porque o nosso interesse é dessas pessoas que não querem entender o que é a democracia."
Estima-se que, desde agosto do ano passado, pelo menos 25 pessoas morreram em ataques atribuídos à "Junta Militar".
Guerrilheiras da RENAMO aguardam paz e reintegração
A desmilitarização também se faz no feminino. As mulheres estão prontas para entregar as armas, assegura a Liga Feminina da RENAMO, e aguardam com expetativa a reintegração nas forças governamentais.
Foto: DW/M. Mueia
Na expetativa do acordo
Muitas mulheres na RENAMO são guerrilheiras e aguardam a sua reintegração social. Estão interessadas em entregar as armas e exercerem outras atividades profissionais. Esperam pelo acordo final entre as principais partes envolvidas no processo de deliberação, neste caso as bancadas parlamentares da RENAMO e A FRELIMO.
Foto: DW/Marcelino Mueia
O aguardado regresso à vida civil
Teresa Abdul, da província do Niassa, começou a combater quando tinha apenas 14 anos. Aguarda o desarmamento e o regresso à vida civil com muita expectativa. “Este processo é muito melhor. Temos muitas pessoas que passaram pela guerra, lutaram, mas até agora não estão a ser reintegradas nos seus lugares, é triste. Caso este processo ocorra, estaremos agradecidos porque todos estarão na linha”.
Foto: DW/Marcelino Mueia
Luta de quase quatro décadas
As mulheres do maior partido da oposição comemoraram o 38º aniversário da criação da Liga Feminina a 5 de Julho de 2018. As celebrações a nível nacional tiveram lugar na província moçambicana da Zambézia, juntando representantes do partido oriundos maioritariamente das províncias.
Foto: DW/Marcelino Mueia
Que se cumpra o acordo feito com Dhlakama
Albertina Naene, ex-guerrilheira, ingressou nas fileiras militares da RENAMO com apenas 13 anos. Hoje, com 46, apela ao Presidente para prosseguir com os acordos de cessação definitiva das hostilidades militares."O Governo da FRELIMO está a atrasar o processo. Deveria cumprir o que ficou acordado com o presidente Dhlakama. Queremos que aqueles nossos irmãos saiam para virem conviver connosco”.
Foto: DW/Marcelino Mueia
Encontros para motivar e mobilizar apoiantes
A morte do líder da RENAMO não significa o fim do regime partidário. As autoridades políticas da RENAMO na província da Zambézia, têm mantido encontros constantes depois da morte de Afonso Dhlakama. Os encontros não visam apenas traçar planos de atividade para as delegações distritais e membros do partido, também servem para motivar os seus simpatizantes e eleitores.
Foto: DW/Marcelino Mueia
Maria Inês Martins - presidente da Liga da Mulher da RENAMO
Para a presidente da Liga da Mulher da RENAMO, a integração dos guerrilheiros nas forças governamentais podia começar pelos que, depois dos acordos de paz de 1992, foram integrados e depois afastados “sem justa causa”. “Foram desmobilizados e despromovidos, a outros foram dadas reformas compulsivas. Esta seria uma prova de que o Presidente Nyusi está disponível para cumprir o que acordaram".
Foto: DW/M. Mueia
O desejo de uma vida em paz
Populares querem paz, para continuar a produzir comida, dizem as vendedeiras ao longo da estrada EN1 em Malei, distrito de Namacurra, na Zambézia. Apesar da zona não ter sido afetada pelo conflito no ano passado, algumas vendedeiras dizem que
temiam a situação. Dormiam em prontidão, com malas preparadas para abandonarem as suas casas, em caso de conflito.
Foto: DW/Marcelino Mueia
Partido "envelhecido"
A RENAMO, continua a ser um partido político com muitos membros idosos. De acordo com o politólogo Ricardo Raboco, a derrota da RENAMO nos pleitos eleitorais está também associada a este fator. Mas o politólogo também opina que, em Moçambique, os mais velhos são mais fiéis à RENAMO e poucos emigram para outras formações políticas. E há cada vez mais idosos a filiar-se pela RENAMO.