Moçambique apresentou uma queixa por violação dos direitos fundamentais de Manuel Chang no Tribunal Constitucional sul-africano. Jurista acha ação desnecessária embora realce a sua importância para o país.
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Há cerca de duas semanas, a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique mandou apresentar uma queixa no Tribunal Constitucional sul-africano, por violação dos direitos fundamentais de Manuel Chang, segundo Andre Thomashausen, especialista em direito internacional e docente numa universidade sul-africana.
Sabe-se desde a sua detenção na África do Sul, a 29 de dezembro de 2018, que o ex-ministro das Finanças de Moçambique tem diabetes. Nessa altura queixou-se de falta de condições de saúde na cadeia. Desde então nada mais se falou sobre a saúde nem sobre as condições de reclusão de Manuel Chang.
"Não se sabe bem quais os direitos fundamentais que a Procuradoria vai argumentar que teriam sido violados, mas é mais um processo judicial que levará alguns meses a ser resolvido. E claro que o ministro da Justiça não vai tomar decisões enquanto o assunto ainda estiver pendentes nos tribunais", afirma Andre Thomashausen.
O especialista em direito internacional explica o que pode acontecer daqui em diante: "Se o Tribunal Constitucional achar que, de facto, algum direito fundamental do senhor Chang tenha sido violado, então iria remeter o assunto ao tribunal que teria violado esse direito fundamental para a tomada de uma nova decisão. Em casos raros o Tribunal Constitucional pode também tomar uma decisão, mas normalmente remete ao tribunal que teria feito esse erro."
Comissão dos Direitos Humanos não foi consultada
Tratando-se de um cidadão moçambicano, terá a Comissão Nacional dos Direitos Humanos de Moçambique tomado conhecimento das supostas violações e intercedido a favor de Manuel Chang? Luís Bitone é o Presidente da Comissão e afirma que não foram consultados sobre o caso. Mas esclarece que "não é obrigatório porque os órgãos de justiça aplicam os direitos humanos."
Moçambique entrega queixa por violação dos direitos de Chang
Trata-se de "um assunto que está em tribunal e eles podem, aplicando os padrões internacionais, fazer os recursos que achem necessários. Pela nossa lei não é obrigatório consultar a emissão", explica Luís Bitone.
Andre Thomashausen julga, entretanto, que não era caso para meter queixa no Tribunal Constitucional. "Neste caso concreto julgo que só deveria haver queixa de um erro de processo, de que Chang não teria sido devidamente ouvido ou que não teria tido todas as oportunidades para se defender. Mas é um bocado difícil imaginar isso porque o processs foi conduzido com muita cautela, com muitas e amplas oportunidades", afirma.
Vale tudo para salvaguardar interesses dos moçambicanos
O especialista em direito internacional é de opinião que a estratégia de Moçambique é retardar o desfecho do caso Chang, mas o jurista Emerson Zulo tem uma visão oposta, justificando que o país não ganharia nada com isso.
"Entendo que é um mecanismo que o Estado moçambicano encontrou e julga que é pertinente para salvaguardar os seus interesses em relação aos cidadãos moçambicanos. Agora, se isto é analisado do ponto de vista subjetivo, vamos perceber, se calhar, a desnecessariedade deste mecanismo", afirma.
O jurista Emerson Zulo acha legítimo que numa "guerra" se usem todas as armas: "Mas se há um mecanismo legal, e uma via que não seja esta contenciosa, ainda que fosse uma via graciosa, mas se há uma mecanismo legalmente previsto para Moçambique buscar as estratégias a salvaguardar a integridade fisica e pessoal e de alguma forma a soberania do país, julgo que é importante que Moçambioque assim o faça."
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)