Moçambique: Arguido diz que banco russo VTB recebeu subornos
Lusa
18 de outubro de 2019
Ex-banqueiro do Credit Suisse implicado no escândalo das dívidas ocultas em Moçambique admitiu pela primeira vez em tribunal que um administrador do banco russo VTB terá recebido 2 milhões em subornos da Privinvest.
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De acordo com a agência de informação financeira Bloomberg, no testemunho de quinta-feira (17.10) à noite, Andrew Pearse revelou que o intermediário da Privinvest, Jean Boustani, lhe disse que pagou 2 milhões de dólares (1,8 milhões de euros) a Makram Abboud, membro do conselho de administração do VTB e presidente da área para o Médio Oriente e África no banco russo.
O banco russo já reagiu, assegurando que "não há qualquer prova que Abboud ou qualquer outro empregado do banco tenha recebido pagamentos impróprios de qualquer natureza relativamente a esses projetos".
Em comunicado, o VTB acrescenta que Andrew Pearse é "um condenado por fraudes" e salienta que nenhum funcionário do banco foi acusado de qualquer má prática.
Esquema fraudulento
Na audição do banqueiro, que decorre esta semana no tribunal de Brooklyn, em Nova Iorque, Pearse admitiu também que a sua participação no esquema fraudulento no valor de cerca de 2 mil milhões de euros foi, em parte, motivado pela relação amorosa que mantinha com Detelina Subeva, também implicada no caso.
"Éramos ambos casados na altura e era difícil encontrarmo-nos a não ser que estivéssemos a viajar", disse Pearse, quando perguntado pelo advogado de acusação se a sua relação teve algo a ver com a decisão de aceitar os pagamentos ilícitos propostos por Jean Boustani.
Decisão sobre extradição de Chang "não surpreendeu"
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"Eu queria que a relação continuasse, queria sair do Credit Suissee queria ter uma relação mais profunda" com a sua subordinada da altura, Detelina Subeva, que deverá começar a testemunhar em tribunal na próxima semana, e com a qual Pearse terá partilhado 2 milhões de dólares.
Nas declarações em tribunal, Pearse disse ainda que estava à beira de uma piscina em Maputo quando foi abordado pela primeira vez por Boustani, que lhe terá oferecido, em 2013, um suborno se o Credit Suisse baixasse as taxas que cobrava pela organização dos empréstimos às empresas públicas ProInvest e Mozambique Assett Management (MAM).
"Lembro-me perfeitamente disso porque foi a primeira vez que alguém se ofereceu para me subornar", disse o antigo banqueiro aos jurados, depois de já na quinta-feira ter admitido ter recebido 45 milhões de dólares (40,5 milhões de euros) em subornos.
Suborno negociado na Riviera francesa
Nas declarações, o antigo banqueiro que já se deu como culpado e que fez um acordo com a Justiça norte-americana, disse ainda que, além de Jean Boustani, também negociou os termos do suborno com o diretor executivo da Privinvest, Iskander Safa, num encontro que tiveram na casa de Safa, na Riviera francesa em março de 2013. "Foi aí que os termos do meu pagamento foram acordados, e combinámos que eu receberia uma taxa por quaisquer negócios entre a Privinvest e o Credit Suisse", disse.
As declarações em julgamento são o mais recente capítulo do processo das dívidas ocultas de três empresas públicas moçambicanas, que já levou à detenção do antigo ministro das Finanças Manuel Chang e de um dos filhos do antigo Presidente Armando Guebuza, além de três banqueiros do Credit Suisse e vários responsáveis governamentais moçambicanos.
Na investigação, a Justiça norte-americana acusa membros do anterior Governo de Moçambique, a Privinvest e três ex-banqueiros do Credit Suisse de terem criado um falso projeto de defesa marítima para receberem mais de 200 milhões de dólares (180 milhões de euros) em subornos para si próprios em acordos assinados em 2013 e 2014, apontando Jean Boustani como o principal operacional do esquema de corrupção no valor de 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros).
A descoberta de empréstimos contraídos com aval do Estado mas sem registo nas contas públicas e sem divulgação aos parceiros internacionais levou os doadores a cortarem a assistência internacional e as agências de rating a descerem a opinião sobre o crédito soberano.
Em consequência, aumentou o rácio da dívida pública sobre o PIB, o que arredou o país do financiamento internacional, atirando Moçambique para 'default' e para uma crise económica e financeira que ainda persiste.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)