Para além do impacto imediato sobre a população, o ataque contra a cidade de Palma, em Cabo Delgado, em março passado, tem sequelas negativas de longo prazo, adverte Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN).
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A invasão de Palma por insurgentes em 24 de março e a resposta armada por parte das tropas governamentais deixaram cicatrizes profundas. Dezenas de civis morreram. Segundo a Organização Internacional das Migrações (OIM), 47 mil pessoas fugiram da violência desencadeada pela ação terrorista.
Muitas procuraram refúgio nas matas, outras em lugares considerados seguros, como Pemba, e há mesmo quem tenha optado pela vizinha Tanzânia, desfalcando ainda mais o que era considerada a "região do futuro".
Armindo Ngunga, diretor da Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN), diz que o ataque contra Palma está na origem de outras mudanças importantes: "Uma ação daquelas deixou sequelas profundas: casas queimadas, infraestruturas destruídas, vidas perdidas e isso deixa qualquer lugar em condições deploráveis."
Quebra nos investimentos
Falta reerguer as infraestruturas, disse Ngunga à DW África, admitindo que "vai levar algum tempo", acrescentando: "É um exercício que tem de ser feito para se repor a vida naquela cidade, uma grande Palma".
A extrema insegurança tem também impacto negativo sobre os investimentos e o desenvolvimento da região. A petrolífera francesa Total decidiu suspender as suas atividades, pelo menos temporariamente, devido à escalada do terrorismo.
O diretor da ADIN diz que a retirada da multinacional que explora gás em Palma é um sintoma. "Um dos grandes problemas que o ataque de Palma causou é que provocou a queda massiva das empresas. Palma era capaz de ter sido talvez uma das cidades com mais empresas deste país, atraídas pelo fenómeno Total."
Muita gente perdeu o emprego, alerta Ngunga. "Tudo isso afeta negativamente a vida em Palma".
Refugiados sem assistência adequada
A situação é agravada pela falta de diversificação da economia moçambicana.
Os moçambicanos estão agora de olhos postos num Governo sem meios suficientes para assistir os aproximadamente 714 000 deslocados internos, em toda a província.
Adriano Nuvunga, diretor da ONG Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), denuncia a situação de penúria em que vivem os deslocados de Palma e alerta para um problema que pode advir de uma situação de negligência: "Cada vez mais deslocados internos vão chegando sem apoio adequado".
Trata-se, na maioria, de "crianças e mulheres em situação de extrema vulnerabilidade, sem qualquer tipo de apoio, que se adicionam àqueles que já estavam na periferia de Pemba sem qualquer tipo de apoio", disse Nuvunga à DW África.
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"Presas fáceis do terrorismo"
O resultado é um aumento da tensão, "porque a insatisfação esteve na origem da situação e isso pode contribuir para que, num futuro breve, mais jovens possam estar em situação de vulnerabilidade e por isso possam ser facilmente recrutáveis para ingressarem as fileiras dos terroristas", avisa Nuvunga.
Armindo Ngunga realça que muitos jovens que abandonaram Palma não eram de lá. Mas diz-se ciente do risco que correm os jovens locais deslocados em situação de vulnerabilidade económica: "Também é preciso fazer um trabalho para que aqueles jovens não sejam presas fáceis do terrorismo."
Artigo atualizado às 19:18 (CET) de 14 de maio de 2021.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.