Moçambique: Ataque em Palma pode ser "sinal" para o Governo
Leonel Matias (Maputo)
25 de março de 2021
Analista diz que ação terrorista em Palma, Cabo Delgado, na quarta-feira (24.03), pode ser um "sinal" para o Governo que tinha anunciado "progressos" na província. Autoridades garantem estar no encalço do inimigo.
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O porta-voz do Ministério da Defesa Nacional, Omar Saranga, confirmou esta quinta-feira (25.03) que homens armados de um alegado grupo jihadista atacaram a vila sede do distrito de Palma às 16 horas e 15 minutos de quarta-feira (24.03).
"Os terroristas atacaram a vila de Palma em três direções no cruzamento de Pundanhara-Manguna, via Nhica do Rovuma e no aeródromo, obrigando a população residente a abandonar a vila e a refugiar-se na mata, não havendo, até ao momento, informação sobre vítimas humanas ou danos causados", referiu.
Governo pede à população para colaborar
A vila está incomunicável telefonicamente. Segundo Omar Saranga, as Forças de Defesa e Segurança (FDS) estão no terreno para tentar repor a ordem. "Estão a perseguir o movimento do inimigo e trabalham incansavelmente para restabelecer a segurança e ordem com a maior rapidez", garantiu.
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A mesma fonte do Ministério da Defesa Nacional apelou à população para se manter vigilante e serena enquanto procura locais seguros. Omar Saranga pediu ainda aos populares para continuarem a colaborar com as autoridades, denunciando os atacantes.
"As Forças de Defesa e Segurança tudo farão para garantir a segurança e o bem-estar das populações contra os atos desumanos perpetrados pelos terroristas, ao mesmo tempo que continuam a garantir a proteção dos projetos económicos, salvaguardar os direitos humanos em estrita observância das leis nacionais relevantes e do direito internacional humanitário", asseverou.
Um "sinal" para o Governo
Para o analista Dércio Alfazema, este ataque contraria o ambiente de aparente serenidade que se vivia nos últimos tempos em Cabo Delgado.
De acordo com o especialista, o ataque acontece num momento em que se registam ações concretas como a nomeação de um comandante militar baseado na região, a oferta de alguns países para o treinamento especializado das forças governamentais e o anúncio da multinacional petrolífera Total que iria reiniciar as suas operações em Palma.
"Pode ser um sinal dos terroristas para dizer que eles ainda estão presentes e o assunto ainda não acabou, ou seja, que as FDS ainda não têm o total controlo da situação", comenta Dércio Alfazema.
Para o analista, este ataque em Palma "reforça a necessidade de urgentemente [de as FDS] coordenarem ações com vista ao fim desta situação, de modo a restabelecer a ordem e a tranquilidade naquela região, sob o risco de tornarem os projetos um pouco mais instáveis, e não trazerem os resultados que estamos todos à espera", concluiu.
Os ataques armados em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, já provocaram centenas de mortos e cerca de 700 mil deslocados na região.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?