Ataques em Cabo Delgado não deverão enfraquecer o Governo nas negociações com multinacionais que querem operar no país, diz Esperança Bias. A ex-ministra afirma que Executivo continuará a fazer valer os seus programas.
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Os ataques armados na província nortenha de Cabo Delgado, Moçambique, estão a ensombrar as atividades de prospeção e exploração dos recursos naturais na região.
Se, por um lado, as multinacionais que lá operam dão sinais de quererem congelar as suas atividades, por outro surge o receio de que as grandes empresas que estejam interessadas neste mercado possam usar o fator instabilidade para saírem favorecidas das negociações com o Governo.
Em Chemnitz, no leste da Alemanha, a DW África entrevistou Esperança Bias, ex-ministra dos Recursos Minerais e atualmente deputada pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, sobre a situação.
DW África: O norte de Moçambique está a ser alvo de ataques armados que estão a criar uma certa desestabilização e a pôr em causa, de certa maneira, o investimento ou interesse das multinacionais na área do gás. Como vê esta situação?
Esperança Bias (EB): Quero acreditar que esta seja uma situação temporária e que todos devemos trabalhar por forma a garantir que o projeto de Moçambique, que o programa do Governo, possa ser cumprido. Há um trabalho que o Governo está a fazer, e creio que também as próprias empresas devem apoiar o Governo de Moçambique, no sentido de fazer de Moçambique um destino privilegiado para o investimento e que investir em Moçambique é uma solução para muitos. Então, tem de haver aqui um apoio de todos na solução deste problema que infelizmente está a afetar Moçambique, particularmente a região de Cabo Delgado. E é importante que todos entendam que atrasar o desenvolvimento não traz apenas prejuízos para o Governo, traz também prejuízos para a população. Moçambique está carente de emprego e estes projetos também trarão emprego. [Os ataques armados] não são a melhor solução. Se há problemas que sejam resolvidos através de um diálogo, que sejam colocados os problemas a mesa para se chegar a um entendimento.
DW África: Aqui na Alemanha, neste encontro com representantes de empresas em que participou, percebeu-se do Governo moçambicano uma tentativa de vender Moçambique de uma forma positiva. Neste contexto, acha que isso pode funcionar? Os investidores não se sentirão retraídos com essa situação?
EB: Penso que o investidor tem de ter uma visão de longo prazo e não de curto prazo. E aqui aproveito para, mais uma vez, convidar os empresários alemães a fazerem investimento em Moçambique, irem diretamente a Moçambique e não através de outros países, porque Moçambique é um país independente, é soberano, tem as suas leis, tem o seu próprio ambiente e, portanto, não há necessidade de se ir a um terceiro país para chegar a Moçambique, não funciona. As portas de Moçambique estão abertas para a sua vinda direta. Empresas estão a trabalhar em Moçambique e acredito que grande parte delas não tiveram de bater a porta dos países vizinhos, vieram diretamente a Moçambique.
Ataques em Moçambique: Governo não deverá ceder a empresas
DW África: Em que medida os ataques armados podem prejudicar Moçambique nas negociações com aquelas multinacionais que ainda estão numa fase de negociação com o Governo e as que já estão no terreno?
EB: Em relação às empresas que já estão a investir em Moçambique, acho que esta questão que está a surgir no norte de Moçambique não deve ser vista como uma forma de retardar o investimento. Como eu disse, se não houver um trabalho conjunto, se não houver cometimento, não é Moçambique que perde, não é o Governo - estas empresas já investiram e querem o retorno do seu investimento. E este retorno só poderá vir num ambiente de paz e tranquilidade. Então, todos nós somos chamados... Quanto às empresas que ainda estão por vir, que considerem que o investimento é uma coisa de longo prazo, que não se investe hoje para ter o benefício hoje. É preciso investir hoje para o benefício ir acontecendo.
DW África: Mas essas empresas podem sentir-se em posição de vantagem, já que a região não tem segurança...
EB: Mas aqui penso que o Governo vai continuar com a sua postura de fazer valer as leis e os seus programas. Portanto, não é a situação que se está a viver em Cabo Delgado que deve enfraquecer o Governo, muito pelo contrário. E espero que as empresas entendam isso.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.