O administrador do distrito de Macomia, um dos alvos de ataques rebeldes na província moçambicana de Cabo Delgado, disse hoje desconhecer casos de raptos e recrutamento pelos grupos extremistas que ali operam desde 2017.
Moçambique foi o segundo país com o maior aumento percentual de violações graves contra crianças em conflitos armados em 2024, segundo a ONU (foto ilustrativa) Foto: Roberto Paquete/DW
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"Não, nós como governo do distrito não temos essa informação de raptos de crianças, talvez a ONU [Organização das Nações Unidas] tem as suas fontes (...). Mas nós, como governo, não temos essa informação de rapto de crianças", disse o administrador do distrito de Macomia, Tomás Badae, em declarações aos jornalistas.
"O aumento dos sequestros de crianças em Cabo Delgado agrava os horrores do conflito em Moçambique (...). A Al-Shebab precisa poupar as crianças do conflito e libertar imediatamente as que foram sequestradas", disse a diretora-adjunta para a África da HRW, Ashwanee Budoo-Scholtz, citada no comunicado daquela Organização Não-Governamental (ONG) de defesa dos direitos humanos.
No comunicado, a HRW indica que as crianças são raptadas pelos rebeldes ligados ao grupo Estado Islâmico e usadas para "transportar bens saqueados, realizar trabalhos forçados, casamentos forçados e participar em conflitos".
A organização de defesa de direitos humanos refere também que dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontam que algumas crianças sequestradas, após serem libertadas, enfrentam dificuldades para se reintegrar nas comunidades.
A violência terrorista contra crianças em Cabo Delgado
02:28
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Aumentam violações graves contra crianças
Moçambique foi o segundo país com o maior aumento percentual (525%) de violações graves contra crianças em conflitos armados em 2024, apenas atrás do Líbano, segundo um novo relatório da ONU.
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Os dados constam no relatório do secretário-geral da ONU sobre crianças e conflitos armados de 2024,no qual se indica que os maiores aumentos percentuais foram verificados no Líbano (545%), Moçambique (525%), Haiti (490%), Etiópia (235%) e Ucrânia (105%).
Num capítulo dedicado ao conflito na província moçambicana de Cabo Delgado, no relatório indica-se que a ONU verificou 954 violações graves contra 507 crianças (402 meninos, 105 meninas), além de uma violação grave ocorrida em 2023, mas só passível de verificação no ano passado.
Foi verificado o recrutamento e o uso de 403 crianças por grupos armados e a detenção de 51 crianças pela Polícia da República de Moçambique (49) e pelas Forças de Defesa do Ruanda (2) por alegada associação a grupos armados.
A ONU conseguiu verificar o assassínio (32) e a mutilação (12) de 44 crianças por perpetradores não identificados (22), grupos armados (15) e pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (7), incluindo baixas causadas por engenhos explosivos (17).
Ainda no ano passado, a ONU verificou neste conflito o rapto de 468 crianças por grupos armados, incluindo para recrutamento. Onze menores foram libertados.
Só em 2024, pelo menos 349 pessoas morreram em ataques de grupos extremistas islâmicos na província, um aumento de 36% face ao ano anterior, segundo dados divulgados recentemente pelo Centro de Estudos Estratégicos de África, uma instituição académica do Departamento de Defesa do Governo norte-americano que analisa conflitos em África.
O rasto do terrorismo em Macomia teima em não desaparecer
O rasto do terrorismo em Macomia teima em não desaparecer
Foto: DW
Quarta invasão
No dia 10 de maio de 2024, um grupo de terroristas invadiu Macomia, naquela que foi a quarta vez consecutiva que aquela vila de Cabo Delgado se viu entregue aos terroristas. Permaneceram na sede distrital por cerca de dois dias. Após confrontos com as tropas moçambicanas e aliados, o grupo armado abandonou a vila. Mas a destruição permanece.
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Rasto de destruição
Ao abandonarem o local, os terroristas deixaram edifícios públicos como registo civil, a direção de infraestruturas e a secretaria distrital completamente vandalizados. Alguns desses locais continuam de porta fechadas. O comércio vai reabrindo a conta-gotas e a medo.
Foto: DW
Agências humanitárias não escaparam
Também os escritórios e infraestruturas que albergam organizações humanitárias como a Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha, entre outras, foram arrasados pelos terroristas. Desses locais, foram subtraídos medicamentos, viaturas e outros bens.
Foto: DW
Reconstrução é urgente
Autoridades governamentais de Cabo Delgado visitaram Macomia no início de junho para avaliar os danos causados pela presença terrorista. Apesar de admitirem que é uma "prioridade repor aquelas infraestruturas para gradualmente os funcionários prestarem os serviços necessários à população", os serviços continuam a funcionar a meio-gás.
Foto: DW
Paz e medo entre os habitantes
A vila tenta regressar à normalidade, mas o clima ainda é de medo. Os residentes reativaram as atividades de autossuficiência, mas não escondem o receio de um novo ataque, preocupação que paira a todo o instante.
Foto: DW
Chitunda, em Muidumbe, sem serviços públicos
Os cerca de 11 mil habitantes que tinham saído do posto administrativo de Chitunda, em Muidumbe, devido à insegurança, voltaram a casa. Mas nenhuma escola ou hospital está neste momento a funcionar, deixando milhares de crianças fora das salas de aula e os residentes sem acesso a cuidados de saúde.
Foto: DW
Governo promete reabrir escolas e hospitais
Para aceder a cuidados de saúde, a população da aldeia de Miangaleua, no posto administrativo de Chitunda, em Muidumbe, recorre ao distrito de Macomia. Mas o governo local garante que em breve os centros de saúde e as escolas na região voltarão a funcionar.
Foto: DW
Chuvas intensas agravaram a fome
A população de Miangaleua, em Muidumbe, que regressa paulatinamente a casa está a dedicar-se à produção agrícola. Porém, as chuvas intensas que caíram entre finais de 2023 e princípios deste ano arrastaram vários hectares de campos agrícolas junto ao rio Messalo. A produção de arroz e de outras culturas perdeu-se, aumentando a fome na região.
Foto: DW
Autoridades exortam população a produzir comida
O governo local ofereceu sementes de milho e feijões, enxadas, catanas e outros materiais de produção para que os camponeses voltem a semear.
Foto: DW
Corrente elétrica em falta
Os habitantes expressam também o desejo de ver restabelecida a corrente elétrica em Macomia, uma vez que as instalações elétricas também foram afetadas pelos ataques terroristas dos últimos anos. Pequenos painéis solares garantem serviços mínimos, mas não permitem a conservação do peixe que é retirado do rio, por exemplo.
Foto: DW
Mais segurança
Os residentes da aldeia de Miangaleua, em Muidumbe, pedem o reforço da presença das Forças de Defesa e Segurança, para que nunca mais tenham de fugir das próprias terras devido ao terrorismo. Mas a ajuda tarda em chegar.