Moçambique: “Basta de guerra e de derramamento de sangue”
Leonel Matias (Maputo)
23 de dezembro de 2016
Milhares de moçambicanos juntaram-se em Maputo e noutras cidades do país para orarem pela paz. A iniciativa enquadra-se no lançamento de uma campanha nacional para apelar à paz.
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A "Campanha Nacional da Oração”, vai decorrer durante um ano sob o lema pelo perdão, reconciliação, unidade da nação, e cessar fogo imediato. Deverá culminar em dezembro de 2017 com a realização de uma conferência nacional sobre a paz, perdão e cura divida.
Durante doze meses, todos os moçambicanos serão chamados a dedicar pelo menos dez minutos de oração a favor da paz, como explicou o Secretário Geral do Conselho Cristão de Moçambique, Reverendo Marcos Macamo. "Todos os moçambicanos devem contribuir para o bem estar da nação. Cada um de nós”.
Monitoramento do diálogo político em cursoPara além da promoção de orações a titulo indivual e de cultos a favor da paz, será monitorado o diálogo político em curso no país entre o Governo e a RENAMO para o fim da tensão político militar, segundo refere a Plataforma da Missão Profética e de Reavivamento.
Artemisa Franco é a Coordenadora desta plataforma que congrega cerca de 100 confissões religiosas. "Monitoria porquê? Porque estes problemas todos que estamos a ter como o recurso a guerra é porque o processo do acordo paz, (alcançado em 1992) já todos chegamos a essa conclusão, não foi bem implementado nem monitorado”, sublinha Franco.
No lançamento da campanha em Maputo todos os intervenientes disseram "basta de guerra e de derramamento de sangue” e sublinharam a necessidade do alcance imediato da paz, condição para o desenvolvimento do país.
Cultura da pazO antigo Chefe de Estado, Joaquim Chissano, destacou que os moçambicanos têm um objectivo comum e que "neste caso é a paz e reconciliação. É a cultura de paz. Não é uma paz qualquer mas uma paz completa, uma paz profunda, uma paz de Deus, paz de Cristo, paz completa, em todas as suas vertentes, sem criminalidade, sem carências gritantes, sem pobreza absoluta", afirmou o ex-chefe estadista (1986-2005).
Por seu turno, o ministro da Justiça, Isac Chande, afirmou que as confissões religiosas desempenham um papel importante na aproximação entre os moçambicanos.
"É com a nossa iniciativa que juntos e unidos podemos tornar o nosso país um exemplo de participação e construção democrática, condição sine qua non para o desenvolvimento inclusivo que almejamos”.
Em nome da bancada parlamentar do partido no poder, a FRELIMO, falou a chefe daquele grupo, Margarida Talapa para destacar que "a cultura da paz e de solidariedade humana através do diálogo, da tolerância e de reconciliação, tendo em vista a construção de uma sociedade justa, democrática e unida, é uma pedra angular para a sociedade moçambicana”.
"Amor, fraternidade e hosnetidade”, defende MDMPara o chefe da bancada parlamentar do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), Lutero Simango, a reconciliação deverá ter como fundamento o amor, a fraternidade e a honestidade.
"Ela terá que ser efetiva e nacional. Os moçambicanos devem ser tratados de forma igual. Não devem ser qualificados pelas suas convicções políticas, religiosas ou sociais. Agora é hora de reconciliação, temos de nos reconciliar para que a família moçambicana embarque num projeto genuíno de reconstrução da nação, pedra a pedra, como anuncia o nosso hino nacional", realçou Simango.
O maior partido na oposição, a RENAMO, não se fez representar na cerimónia.A "Campanha Nacional de Oração” a favor da paz acontece numa altura em que os moçambicanos se mostram agastados com a continuação dos ataques militares atribuídos à RENAMO e a aparente ausência de progressos no diálogo político, com vista a por fim a tensão político militar.
22.12.2016 'Campanha nacional de Oração'-Moçambique - MP3-Mono
De salientar que apesar da quadra festiva do Natal e do Ano Novo, muitos moçambicanos receiam viajar para junto dos seus familiares em alguns pontos do país devido ao conflito militar.
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.