Presidente e PGR fazem questão de destacar uma atuação suspeita das entidades estrangeiras envolvidas nas dívidas ocultas. Mas isso não exclui a possibilidade de "uma participação danosa das autoridades moçambicanas".
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Tal como o Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, a procuradora-geral da República sacode o capote, pese embora tenha elogiado a colaboração de alguns países na investigação. No seu informe ao Parlamento (25.04) Beatriz Buchili parece deixar subjacente a responsabilidade de instituições estrangeiras.
"Tendo sido todos os valores dos empréstimos transferidos dos bancos credores situados no estrangeiro para empresas fornecedoras de bens e serviços, igualmente situadas no estrangeiro, a ter havido desvios estes terão sido praticados a partir daquelas instituições", afirmou.
Participação de representantes do Governo
É sem dúvidas uma possibilidade a ser considerada, tal como se deve tomar em conta a possibilidade de o desaparecimento dos 500 milhões de dólares e a subfacturações terem sido feitas com a participação de representantes do Governo também a partir do exterior e em conluio com representantes dessas instituições. Mas a procuradora e nem outros representantes do Governo, como o Presidente Filipe Nyusi, se lembram de cogitar isso. Mas Humberto Zaqueu do Grupo Moçambicano da Dívida (GMD), lembra que esse nem é o problema maior:
"Não, definitivamente não exclui, porque não interessa quem é o fornecedor e como foi feita a transação, nós temos de saber que primeiro trata-se de um contrato de financiamento em que a fonte é estrangeira e o beneficiário é interno. Então, a equação da na mesma, é como se estivesse a dizer que um mais um, mais um é igual a três ou dois mais um é igual a três, tudo dá três. O mais importante é a ligação entre a fonte de financiamento e a obrigação que o país passou a ter com a assinatura, através das entidades públicas que estiveram lá a representar Moçambique ilegalmente."
Responsabilização da PGRSemelhante posição tem o edil de Quelimane, Manuel de Araújo. Só que o político do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a segunda maior força da oposição, é mais incisivo e pede também responsabilização de Beatriz Buchili pela forma como está a conduzir o processo.
"Independentemente de como circulou o dinheiro nós queremos que ela publique o relatório na integra. Qual é o problema? Ela está a esconder o relatório, nós sabemos ler e queremos tirar as nossas conclusões. Ao não divulgar o relatório está a ser conivente e cúmplice e nalguma momento acho que se devia abrir um processo contra ela por inação. Nós não podemos andar aqui as brincadeiras, é um assunto sério. E há pessoas que estão a morrer em Moçambique porque não está a entrar dinheiro para a saúde, educação e para outras áreas. É um crime, está a matar pessoas", afirma Araújo.
Nova postura das autoridadesO contra-ataque a instituições estrangeiras, que por sinal tem a sua parcela de responsabilidade no caso, parece ser a nova postura das autoridades moçambicanas. Depois de Filipe Niyusi ter falado em partilha de responsabilidades com os credores estrangeiros na última semana, em Londres, agora foi a vez da procuradora.
"Beatriz Buchili devia ser processada por inação"
Para Humberto Zaqueu um posicionamento diferente por parte de Beatriz Buchili não seria realista e argumenta "que dificilmente a procuradora estando abaixo da Presidência da República, no nosso contexto, e pela frágil separação de poderes, dificilmente ela pronunciar-se-ia de forma diferente do discurso dominante do dia, ou seja, diferente do chefe máximo da nação", conclui.
Moçambique: O que foi feito ao dinheiro destas obras?
É a pergunta de vários cidadãos de Massinga, província moçambicana de Inhambane. Cada vez há mais obras na vila, que nunca chegam ao fim.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras atrasadas
As obras arrastam-se no município de Massinga, sul de Moçambique, e os cidadãos querem saber porquê. Os empreiteiros ganham obras de construção civil na região, mas muitas são abandonadas após ser pago 50% do dinheiro para a sua execução, segundo o Conselho Municipal. A Justiça já notificou alguns empreiteiros para explicarem os atrasos, mas as estradas e avenidas continuam em péssimas condições.
Foto: DW/L. da Conceição
Mercado por construir
A União Europeia e a Suécia financiaram a construção de um mercado grossista em Massinga. Segundo a placa de identificação, as obras começaram a 28 de setembro de 2017 e deviam ter terminado a 28 de janeiro, mas até agora estão assim. O município remete as responsabilidades para o empreiteiro; contactada pela DW, a empresa negou explicar o motivo do atraso nas obras.
Foto: DW/L. da Conceição
Jardim perdido
O Conselho Municipal de Massinga gastou mais de 1,5 milhões de meticais (20.000 euros) para construir aqui um jardim etnobotânico - um projeto com a participação do Governo central e da Universidade Eduardo Mondlane. Mas as plantas colocadas aqui desapareceram e o terreno está abandonado. O Município promete que o jardim voltará a funcionar em breve, embora falte água para regar as plantas.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada sem fim à vista
Os trabalhos neste troço de cinco quilómetros duram há mais de três anos. O município de Massinga culpa o empreiteiro pela demora; a DW tentou contactar a empresa, sem sucesso. Segundo o município, aos 4,8 milhões de meticais (63 mil euros) pagos inicialmente ao empreiteiro foram acrescentados outros 3,9 milhões (51 mil euros) para continuar as obras, que deviam ter terminado em outubro.
Foto: DW/L. da Conceição
Estrada acabada?
25 de setembro de 2017 era a data de "entrega" desta estrada, segundo a placa de identificação. Mas a via, que parte da EN1 até ao povoado de Mangonha, continua em estado crítico. A obra está orçada em cerca de 1,9 milhões de meticais (quase 25 mil euros). Tanto a Administração Nacional de Estradas, delegação de Inhambane, como o Conselho Municipal recusaram comentar este assunto.
Foto: DW/L. da Conceição
Mais obras por acabar
Os trabalhos da pavimentação desta avenida também já deviam ter terminado, mas as obras continuam. O custo: cerca de 3,9 milhões de meticais (cerca de 51 mil euros). Mas a avenida continua por pavimentar. A DW tentou perguntar o motivo da demora à empresa Garmutti, Lda, responsável pela execução da obra, sem sucesso.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta transparência
Segundo o regulamento de contratação de empreitadas de obras públicas, nos locais de construção devem constar as datas de início e do término dos trabalhos. Mas não é isso que acontece aqui. Segundo um relatório do governo local, um ano depois desta obra começar, só 30% dos trabalhos foram concluídos. O empreiteiro está incontactável; a empresa não tem escritório em Inhambane.
Foto: DW/L. da Conceição
Fatura sobre fatura
O orçamento inicial para os trabalhos de reabilitação no Hospital Distrital de Massinga rondava os dois milhões de meticais (cerca de 26 mil euros), mas, meses depois, o custo aumentou 600 mil meticais (8.000 euros).
Foto: DW/L. da Conceição
Edifício milionário
Este edifício custou à edilidade mais de 40 milhões de meticais (acima de 500 mil euros), sem contar com os equipamentos novos - cadeiras, secretárias ou computadores. Alguns empreiteiros acham estranho que tenha custado tanto dinheiro, porque o material de construção foi adquirido na região. Em resposta, o município justifica os custos com a necessidade de garantir o conforto dos funcionários.
Foto: DW/L. da Conceição
Adjudicações continuam
O município de Massinga continua a adjudicar novas empreitadas apesar de muitas obras não terem terminado. Vários residentes dizem-se enganados pelo edil, Clemente Boca, por não cumprir as promessas eleitorais.
Foto: DW/L. da Conceição
Campo por melhorar
Todos os anos, a Assembleia Municipal de Massinga aprova dinheiro para melhorar este campo de futebol, mas o campo continua a degradar-se. Segundo membros da assembleia, o dinheiro "sai" dos cofres públicos, mas nada muda e os jogadores "sempre reclamam". Em cinco anos, terão sido gastos 30 mil meticais (cerca de 400 euros). Nem o edil, nem os gestores do campo dizem o que foi feito ao dinheiro.
Foto: DW/L. da Conceição
"Fazemos sozinhos"
Devido à demora na construção de mercados e bancas, os residentes da vila de Massinga têm feito melhorias por conta própria, para manterem os seus produtos em boas condições. Questionados pela DW, os vendedores disseram que preferem "fazer sozinhos", porque se esperarem pelo município nunca sairão "do sol, da chuva e da poeira".