Moçambique: Buracos e corrupção minam combate a acidentes
23 de setembro de 2025
Em Moçambique, as estradas continuam a ser palco de tragédias quase diárias. Só entre janeiro e agosto deste ano, pelo menos 575 pessoas perderam a vida em acidentes rodoviários, números que confirmam a dimensão de um problema persistente e devastador.
Perante a gravidade da situação, o Governo anunciou a criação de uma agência de prevenção e investigação de acidentes de transporte, com a missão de reforçar a coordenação de ações preventivas, intensificar a fiscalização, apostar em soluções tecnológicas e incentivar a denúncia de comportamentos de risco nas estradas.
No entanto, especialistas questionam a eficácia da medida. Para Luís Vasconcelos, presidente da Associação dos Transportadores Rodoviários de Nampula, as causas principais da sinistralidade residem nas más condições das infraestruturas rodoviárias e na corrupção que atravessa todo o sistema, desde a emissão de cartas de condução até à fiscalização policial.
DW África: O que está por detrás do crescente número de acidentes nas estradas moçambicanas?
Luís Vasconcelos (LV): São os buracos que existem nas nossas estradas, que são uma realidade. Todos nós sabemos que as nossas estradas estão em manutenção, mas têm buracos. Um condutor que sai, por exemplo, às cinco ou seis da manhã a conduzir e a fintar esses buracos, com o sol a bater, esse motorista já está praticamente cansado psicologicamente para fazer uma longa viagem e continuar a fintar os buracos que existem por aí.
A outra situação é que sabemos que as estradas são totalmente estreitas. Se temos dois camiões ou dois 'machimbombos' (autocarros de transporte de passageiros) num único sentido, já não pode haver um terceiro carro a fazer ultrapassagem, porque a estrada é totalmente estreita. Este é um padrão do tempo colonial. Não é de hoje.
DW África: Portanto, acredita que a precariedade das infraestruturas é a principal causa de acidentes ou haverá outras?
LV: Para além de não termos o alargamento essencial das estradas, não temos áreas de emergência. Quer dizer áreas onde, se o meu carro avariar, eu possa encostar e estacionar para reparação. Não temos isso.
DW África: O Governo moçambicano anunciou a criação de uma agência de prevenção e investigação de acidentes de transporte que, entre várias medidas, prevê, por exemplo, a vigilância intensificada, o uso de tecnologias e o incentivo à denúncia. Como avalia essas medidas do Governo?
LV: A nossa autoridade hoje está a aparecer porque as mortes, os acidentes, estão a piorar. Mas a nossa autoridade, mesmo essa que está a ser criada, não vai fazer nada a curto, médio ou longo prazo.
É só para acalmar esta situação dos acidentes, como tantas outras. Já houve comissões para estudar os acidentes e, pronto, aquilo pára.
Estamos agora a entrar, por exemplo, na quadra festiva. Vêm aí os meses de outubro, novembro e dezembro, que é o momento de pico e que marca os acidentes rodoviários. Então, aqui não é preciso uma autoridade. Isso de autoridade já temos até demais.
DW África: A corrupção nas estradas também tem sido apontada como uma das causas de acidentes. Qual é a sua leitura sobre este facto?
LV: O que se precisa em Moçambique é que as pessoas ponham a mão na consciência e trabalhem em prol da prevenção dos acidentes. As pessoas, os agentes fiscalizadores, devem ser verdadeiramente honestos e estar na estrada para trabalhar. Veja, por exemplo, há um carro que está a circular, mas a polícia não se levanta para o revistar. Mas basta passar um 'chapa', e já se levanta e corre, porque sabe que ali vai receber os seus intentos. Enquanto isto continuar, tudo o que fizermos será em vão.
DW África: Na sua opinião, qual é a solução mais eficaz para reduzir os acidentes de viação ejm Moçambique?
LV: Os transportadores provinciais e inter-distritais de passageiros, cada empresa devia instalar o seu GPS, o seu sistema de segurança, e apresentar junto do Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO). O INATRO deveria ter uma cópia e fazer o controlo através de um técnico, emitindo uma certificação.
E, ao nível dos conselhos municipais, os 'chapas' que encurtam rotas também deviam ter um sistema de segurança, sendo o conselho municipal a autoridade que controla, em conjunto com um técnico do INATRO. Aí sim, estaríamos a combater e a minimizar os acidentes rodoviários.