Campanha para as autárquicas de 10 de outubro em Moçambique desenrola-se numa altura em que a província de Cabo Delgado é alvo de ataques de grupos desconhecidos.
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O mais recente ataque na província moçambicana de Cabo Delgado (norte do país) ocorreu há cerca de uma semana na aldeia de Ntoni, um povoado no distrito de Macomia. Um grupo armado, que usava fardas militares, matou dez residentes, feriu 15 pessoas e incendiou dezenas de casas.
Os grupos que têm atacado as aldeias nunca fizeram nenhuma reivindicação nem deram a conhecer as suas intenções, mas investigadores sugerem que a violência está ligada a redes de tráfico de heroína, marfim, rubis e madeira.
Os ataques acontecem numa altura em que avançam os investimentos de companhias petrolíferas em gás natural na região, mas sem que até agora tenham entrado no perímetro reservado aos empreendimentos.
Em plena campanha eleitoral para as autárquicas de 10 de outubro, a DW África perguntou à polícia local que medidas estão a ser tomadas para garantir a segurança da campanha na província que tem sido alvo de frequentes ataques de grupos desconhecidos, desde 2017, e que já causaram dezenas de mortos e muitos deslocados. Mas as autoridades dizem que só irão pronunciar-se na próxima segunda-feira (01.10), no habitual briefing semanal da corporação.
Silêncio dos partidos Os partidos políticos também preferem pautar-se pelo silêncio em relação a este tema: dizem estar concentrados na divulgação dos respetivos manifestos eleitorais.
A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) quer vencer nos cinco concelhos autárquicos que compõem Cabo Delgado. Sob o slogan "a vitória prepara-se, a vitória organiza-se”, o primeiro-secretário do Comité provincial, José Elias Kalime, diz não ter dúvidas: a avaliar pelo trabalho em curso nos municípios de Pemba, Mueda, Chiúre, Mocímboa da Praia e Montepuez, a vitória do partido é "certa”.
"A FRELIMO começou a sua preparação em sede do 11º Congresso. Terminado a reunião magna partidária, tivemos uma sucessão de formações, tudo com vista à vitória. Com este trabalho todo que foi feito pelos distritos adentro e na província de Cabo Delgado em geral, estamos conscientes de que vamos poder ganhar estas eleições de forma avassaladora e convincente”, destacou Elias Kalime.A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) marchou, esta quinta-feira (27.09), pelas avenidas da urbe, uma marcha que terminou no bairro Eduardo Mondlane, onde apresentou ao eleitorado o seu cabeça de lista para a cidade de Pemba, António Vasco.
Moçambique: Cabo Delgado com novos ataques de grupos desconhecidos em plena campanha eleitoral
Em entrevista exclusiva à DW África, Alberto José Bacar, delegado interino do partido, disse que é desta que a RENAMO vai virar a história de governação dos municípios de Cabo Delgado.
"A campanha está a dar grande vantagem à RENAMO em todas as autarquias. Mesmo em Mueda, considerado distrito hostil para a RENAMO, os munícipes querem apostar numa bancada forte desse partido".O cabeça de lista da RENAMO, António Vasco, vê com preocupação a superlotação das salas de aula, motivo que, a seu ver, contribui para o fraco aproveitamento pedagógico das crianças. E promete que a "RENAMO vai criar escolas primárias-piloto com turmas que variam de 20 a 25 alunos cada para melhorar a qualidade do ensino, vai providenciar a oferta de uniformes às crianças carenciadas com ajuda de parceiros. Para garantir a pontualidade de crianças na escola vai criar uma empresa municipal de transporte escolar que será comparticipada de forma simbólica pelos encarregados de educação”.
Como solucionar a escassez de água?
António Pegissane Macanes, cabeça-de-lista do Movimento Democrático de Moçambique MDM), para o Concelho Autárquico de Pemba, disse já ter em manga uma fórmula para salvar os munícipes desta urbe do crónico problema da escassez de água."Há muita gente que já tem furos, significa que tem água aqui em baixo. Se tem água aqui em baixo, vamos furar, pôr um tanque elevado lá em cima e agrupar uma motobomba que trabalha com energia solar e vamos dar à população água mahala (grátis). A minha pensão, como também sou empreendedor, funciona com água daqui em baixo. É essa ideia que é minha que vou aplicar para todos os bairros, porque a água sai muito limpa e é boa!”
Para além da FRELIMO, da RENAMO e do MDM, concorrem também nestas quintas eleições para o Conselho Autárquico de Pemba o Partido Humanitário de Moçambique (PAHUMO).
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".