Moçambique: Campanha dará novos documentos a deslocados
Lusa
30 de novembro de 2020
O Ministério da Justiça moçambicano anunciou uma campanha que vai garantir novas certidões de nascimento aos deslocados que perderam tudo devido ao conflito em Cabo Delgado. Pelo menos 300 mil civis serão beneficiados.
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O Ministério da Justiça de Moçambique vai lançar uma campanha para dar novas certidões de nascimento aos deslocados do conflito armado em Cabo Delgado, norte do país.
A campanha é voltada aos civis que perderam tudo, incluindo documentos, anunciou a ministra da Justiça, Helena Kida.
"Quando fizemos o levantamento, eram cerca de 300 mil pessoas", afirmou a ministra à Rádio Moçambique, ao reconhecer que esse é um valor "base" que "deverá aumentar". "Se não têm BI [bilhete de identidade], não podem aceder a outros direitos", explicou a ministra.
Os últimos números do Governo apontam para 500 mil deslocados, muitos dos quais fugiram da guerra deixando tudo para trás, incluindo documentos de identificação. "Estamos a preparar-nos para [atender] mais pessoas", acrescentou Helena Kida.
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Atribuição de terras aos deslocados
A campanha vai consistir na entrega de certidões de nascimento. As vítimas do conflito vão poder, então, obter novos bilhetes de identidade e outros documentos, nomeadamente o Direito do Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT).
A atribuição do DUAT ganha especial relevância com o avanço de atribuição de terras pelo Estado aos deslocados em locais onde possam recomeçar as suas vidas.
A ministra da Justiça moçambicana referiu estar em curso um trabalho em colaboração com os parceiros de cooperação no sentido de enviar brigadas móveis para realizar a campanha.
A violência armada em Cabo Delgado dura há três anos e está a provocar uma crise humanitária. O Governo registou cerca de 2.000 mortes e 500 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na zona da capital provincial, Pemba.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?