Moçambique: Casos de corrupção demoram a ser julgados
Sitoi Lutxeque (Nampula)
27 de agosto de 2019
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Nampula manifesta preocupação com a morosidade da Justiça em julgar processos de corrupção. Tribunal Judicial da Província diz que problema tem a ver com a falta de juízes.
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Cresce a pilha de casos de corrupção por julgar na província moçambicana de Nampula, no norte de Moçambique. A Justiça tem demorado a escoar os processos e o Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Nampula mostra-se impaciente.
No ano passado, só 16 dos 119 processos por corrupção foram a julgamento, segundo o gabinete ligado ao Ministério Público. Este ano, já terá havido uma melhoria: dos 54 processos encaminhados ao tribunal, 31 foram a julgamento. Ainda assim, é preciso acelerar o ritmo, segundo Fredy Jamal, procurador e porta-voz do Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Nampula.
Moçambique: Casos de corrupção demoram a ser julgados
"Naquilo que é o combate à corrupção em termos processuais, fazendo uma comparação em relação a 2018-2019, é importante realçar que o gabinete não está satisfeito em relação aos números de processos julgados em 2019, mas não deixamos de dizer que houve uma subida de processos julgados que já nos dá algum alento", afirmou em entrevista à DW África.
Fredy Jamal defende que se estabeleçam metas em relação a casos de corrupção. "Não estamos a dizer que o tribunal devia criar secções de combate à corrupção, mas se tivéssemos metas de julgamentos desse tipo de crime poderia equilibrar aquilo que é o esforço que o Ministério Público faz e aquilo que o judicial faz, porque este combate não é só do gabinete", disse.
'Falta de recursos humanos'
O juiz-presidente do Tribunal Judicial da Província de Nampula, Alberto Assane, reconhece a demora no julgamento de diversos casos criminais, incluindo de corrupção, mas justifica com a falta de recursos humanos, sobretudo juízes, para o efeito.
Alberto Assane disse em entrevista à DW África que o Tribunal Judicial da Província dispõe de nove secções, com igual número de juízes, contra os 21 que seriam necessários para dar vazão aos processos. "Eu não diria que há morosidade nos julgamentos, mas sim há excesso de processos por julgar. São duas coisas diferentes. Uma coisa é demorar com o julgamento por uma mera negligência e a outra é demorar, sim, com o processo, mas existirem muitos por tramitar", afirmou.
"Na verdade, uns demoram, mas outros não. Isso vai em função da capacidade humana. Só para lhe dar uma ideia, sobre esta parte processual, de uma forma geral, nos últimos dois, três a quatro anos, todos os processos entrados findam. Pelo menos, estatisticamente, este é um sinal de que a capacidade humana vai até lá. A ter que retificarmos isso, temos que retificar a capacidade humana", acrescentou Alberto Assane.
Meios alternativos
O juiz-presidente do Tribunal Judicial da Província de Nampula assegura que se está a recorrer a meios alternativos para tentar contornar a falta de juízes nas secções. "Há juízes destacados: os que têm menos trabalho ao nível dos distritos são destacados para ajudar as secções cá na província. Então, são os meios que, até aqui, temos em vista para atacar este problema'', disse.
No entanto, o advogado moçambicano Arlindo Muririua entende que a morosidade da Justiça não se deve exclusivamente à falta de juízes, porque há muitas universidades a formarem quadros superiores em Direito. Segundo o advogado, muitas vezes, o que há é uma má instrução processual por parte dos órgãos do Ministério Público.
"Agora falta de juízes, talvez se invoque o problemas de fundos, mas o pessoal formado em Direito existe. Sobre a questão de morosidade processual, também não estou muito de acordo, porque, no Gabinete de Combate à Corrupção, estão lá procuradores formados. O que falta muito é a investigação profunda e outra coisa é a má instrução de processos, [porque,] quando os processos são mal instruídos, muitas vezes o juiz devolve", sublinhou.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)