Ciclone Idai: Preço de alimentos dispara em áreas afetadas
Arcénio Sebastião
27 de março de 2019
Governo de Moçambique promete "mão dura" contra abusos. Produtos frescos, como cebolas, tomate e hortícolas, agora custam duas vezes mais.
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Depois de perderem familiares e bens com a passagem do ciclone Idai por Moçambique, os sobreviventes vivem agora uma dura rotina: o preço dos alimentos e do material de construção disparou. Falta eletricidade e água potável. E ainda há o risco da proliferação de doenças.
Na cidade da Beira, os preços dos alimentos básicos subiram e os produtos são escassos nas lojas. Agora, há sempre longas filas para comprar produtos, como arroz, farinha e óleo.
Preço dos alimentos dispara em áreas afetadas pelo ciclone Idai
"Arroz que nós comprávamos a 850 meticais [cerca de 12 euros] agora subiu para mil [14 euros]. A farinha está a 80 meticais [1,12 euros] o quilo, contra 35 meticais [0,49 euros] anteriores. Agora vamos viver com o feijão que está de 90 meticais [1,26 euros] a 120 meticais [168 euros]", conta Saquina António, que vende comida no mercado do Goto.
Nos mercados de Maquinino e Goto, produtos frescos como cebolas, tomate e hortícolas agora custam duas vezes mais do que custavam antes do ciclone.
"Subiram muito. Quando eu compro lá na loja e venho vender aqui, as pessoas costumam chorar e dizer que estou a roubar. Mas não, os preços lá [na loja] também subiram", relata o vendedor Mateus Pedro.
Ainda falta comida nos centros de acomodação
Há dificuldades também para quem está nos centros de acomodação às vítimas do ciclone e inundações.
Imaculada Cimento, de 54 anos de idade, vive atualmente no centro instalado na Escola Primária Agostinho Neto, nos arredores da cidade da Beira. Ela conta que falta comida, redes mosquiteiras e cuidados médicos.
"A comida não chega. Nós ali na sala somos quarenta, uns apanham [comida], outros não. Não tem mata-bicho, cada um faz à sua maneira. Nem temos redes mosquiteiras. Não recebemos redes, dormimos assim mesmo”, diz.
Noutro centro de acomodação instalado na Escola Primária Eduardo Mondlane, Laquina Gabriel, com cinco filhos, conta que por vezes passam dias sem qualquer refeição. Por isso, todas as manhãs, o marido tem saído à procura de pequenos biscates na cidade para conseguir algum dinheiro para comprar comida.
"Imagine eu todo dia de ontem não comi nada. Assim que estou a apanhar lenha aqui, patrão [marido] deve tirar 20 meticais para comprar meio quilo para conseguir comer. Patrão deve fazer biscates para poderem comer as crianças. Desde que chegamos aqui não estamos a ver nada", conta.
Governo promete "mão dura"
Para reabilitar ou reconstruir as casas destruídas pelo ciclone Idai, os cidadãos procuram a todo custo material de construção. Mas os preços agora são outros, diz a moradora Verónica Massingue.
"As coisas subiram muito de preço. As chapas estão caras. Como naquela altura, eu comprava a 350 meticais minhas chapas. Agora estão a 1000 meticais. Estas chapas de lusalite estão 2000, 2500. Agora cada qual faz o seu preço", relata.
O Governo moçambicano, através da Inspeção Nacional de Atividades Económicas, prometeu "mão dura" aos comerciantes que especulam os preços, mas até ao momento não foram tomadas medidas.
As autoridades confirmaram que há cinco casos de cólera na Beira, detectados no centro de saúde do Bairro da Munhava. Os casos podem não ter uma relação direta com a destruição provocada pelo ciclone. No entanto, conter a proliferação da doença é uma das prioridades das autoridades tendo em conta a falta de condições sanitárias.
Ciclone Idai: Viver numa tragédia
Centenas de milhares de pessoas precisam de ajuda urgente no centro de Moçambique, depois do ciclone Idai. Enquanto buscas por vítimas continuam, desalojados sobrevivem como podem.
Foto: DW/B. Jequete
Famílias refugiam-se no asfalto após ciclone
Depois do ciclone Idai, 40.000 pessoas precisam de ajuda na província de Manica, centro de Moçambique. Milhares ficaram sem casa e dezenas de famílias preferem acomodar-se no asfalto da EN6 do que ir para os centros de acomodação do Governo. Dizem que aqui é mais seguro, porque alguns centros estão lotados. Trouxeram para aqui os pertences que conseguiram resgatar, incluindo pilões para o milho.
Foto: DW/B. Jequete
Há casas inundadas até hoje
A extensão da devastação do ciclone Idai é grande. O Governo moçambicano estima que o ciclone destruiu uma área superior a 3.000 quilómetros quadrados. Mais de 90 mil casas foram afetadas; 50 mil ficaram totalmente destruídas. Muitas casas, construídas em zonas pantanosas, continuam inundadas quase duas semanas depois da passagem do ciclone. As autoridades tentam drenar as águas, mas é difícil.
Foto: DW/B. Jequete
Pobres ainda mais pobres
Milhares de pessoas estão em vários centros de acomodação. Quem tem casas de alvenaria foi menos afetado pelo ciclone do que outros cidadãos, com casas precárias, que perderam praticamente tudo e vieram para aqui. Rosa Ferro, uma anciã no centro de acomodação de Matarara, no distrito de Sussundenga, diz que nunca viu algo assim: "O ciclone Idai devastou tudo o que tínhamos. Reduziu-nos a zero."
Foto: DW/B. Jequete
Cada um por si, Deus por todos
No centro de acomodação de Matarara, muitas vezes o lema é "cada um por si e Deus por todos". Cada família cozinha o que tem, e as que não têm comida, na sua maioria, não são servidas quando chega a hora da refeição.
Foto: DW/B. Jequete
Apoio a vítimas vai chegando
O apoio às vítimas do ciclone Idai tem chegado à província de Manica. Tanto apoio de fora, como de dentro de Moçambique. A rede italiana de organizações não-governamentais AIFO acaba de apoiar as vítimas do Idai com víveres e material escolar. A AIFO desembolsou dois mil euros para a compra de donativos para desalojados em dois centros de acomodação.
Foto: DW/B. Jequete
40 toneladas de ajuda
Uma associação de caridade constituída por empresários em Manica, chamada "The All Heart Foundation", já disponibilizou 40 toneladas de produtos básicos, incluindo alimentos, para as vítimas do ciclone Idai nas províncias de Sofala e Manica. Mussa Laher, representante da associação, disse estar a receber o apoio de outros empresários, que ficaram sensibilizados com a causa.
Foto: DW/B. Jequete
Chima com feijão
Nos centros de acomodação, a chima com feijão é o prato mais cozinhado. Não há outra alternativa. As doações que mais chegam aqui são precisamente a farinha de milho e o feijão. Quem não consegue comer, porque está doente, passa fome.
Foto: DW/B. Jequete
Buscas continuam
As buscas por sobreviventes continuam tanto na província de Manica, como na província de Sofala. Só em Manica morreram, pelo menos, 148 pessoas devido ao ciclone Idai. 60 pessoas continuam desaparecidas, segundo o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais (INGC). Vários parceiros de cooperação têm dado apoio nas buscas. Os abutres também têm ajudado a encontrar cadáveres.
Foto: DW/B. Jequete
Utentes da EN6 já respiram de alívio
A EN6, que liga as províncias de Manica e Sofala, já está desbloqueada. Foram feitos desvios, para que os carros pudessem passar. Até domingo passado (24.03), a passagem era feita através de barcaças ou moto-táxis, que cobravam taxas altíssimas.
Foto: DW/B. Jequete
Água dura em pedra dura…
Ninguém pensava que o projeto de ampliação e reabilitação da EN6 acabaria assim. Depois do ciclone Idai, a fúria das águas destruiu quase todas as infraestruturas. Até as pontes tombaram.
Foto: DW/B. Jequete
Sem aulas
A Escola Primária e Completa de Inchope ficou sem tecto devido ao ciclone Idai. Todos os documentos ficaram ensopados, incluindo os processos dos alunos e certificados. Mais de 3 mil alunos estão sem aulas.
Foto: DW/B. Jequete
Perigo de vida
As dezenas de pessoas que estão a viver na EN6 fizeram do asfalto o seu pátio de sua casa. Debulham o milho ou estendem a roupa paredes meias com as viaturas - e correm perigo de vida. Se uma viatura perde a direcção, pode varrer as cabanas à beira da estrada e matar alguém.