Moçambique: CIP exige cassação de deputada da FRELIMO
Leonel Matias (Maputo)
9 de maio de 2019
O Centro de Integridade Pública exigiu esta quinta-feira (09.05) a cassação da deputada Alice Tomás, da FRELIMO, acusada de incitar à violência contra a ativista Fátima Mimbire. A vítima já apresentou queixa-crime à PGR.
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A deputada da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Alice Tomás, é acusada de ter incitado à violência contra a analista e investigadora do Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), Fátima Mimbire, por ter defendido publicamente que se discuta a atribuição do estatuto de "Herói Nacional" ao antigo líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama.
Alice Tomás teria comentado nas redes sociais que "aquela precisa ser violada com dez homens fortes, cheios de energia. E depois lhe deixar ir embora. Porque aquela boca só tira palavras venenosas para o povo moçambicano", teria dito a deputada, fazendo referência à ativista.
Para a vítima, esta mensagem não é dirigida apenas a si, mas também a todos os que expressam de forma livre a sua opinião, desafiando o poder estabelecido, e, sobretudo, é uma mensagem endereçada a todas as mulheres que foram violadas.
Moçambique: CIP exige cassação de deputada da FRELIMO
A ativista afirma ainda que, através do seus comentário, a deputada quis dizer que esta prática era necessária para corrigir comportamentos que se achavam desviantes nas mulheres.
"O meu sentimento é de tristeza e frustração por perceber que vivemos numa sociedade de bastante intolerância, onde as pessoas são capazes de ir até às últimas circunstâncias só por não concordar com o que as outras pessoas dizem", afirmou Fátima Mimbire numa conferência de imprensa esta quinta-feira (09.05).
Justiça e responsabilização
Fátima Mimbire disse ter aceite o pedido de desculpas da deputada Alice Tomás, mas acrescentou que este posicionamento não anula que se faça justiça e responsabilize a culpada de modo a desencorajar comportamentos do género no futuro.
A ativista apresentou esta quarta-feira uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República e disse esperar uma ação enérgica por parte daquela instituição.
Posição idêntica foi defendida pelo CIP, para quem é insuficiente que a FRELIMO tenha vindo a público, através do seu porta-voz Caifadine Manasse, repudiar o ato e distanciar-se do sucedido.
Cassação
Segundo Edson Cortês, diretor do CIP, a organização da sociedade civil exige "perante o grave pronunciamento desta deputada que o partido ative o estatuto de deputado" e anule o mandato de Alice Tomás.
Por seu turno, o pesquisador Baltazar Fael, do CIP, considerou que o Ministério Público tem responsabilidades acrescidas neste caso. "Nesta situação estamos a falar de um crime público e o crime público não precisa nem de queixa".
Ameaças
O CIP observou que este não é o primeiro caso de ameaças dirigidas ao seu pessoal, tendo a instituição submetido em janeiro último outra queixa-crime à Procuradoria, que ainda não teve desfecho.
Mas, para Fátima Mimbire "estas ameaças não constituem de forma nenhuma um elemento para desistir ou voltar atrás, muito pelo contrário nós vamos continuar a fazer o trabalho que fazemos".
O CIP procedeu ainda esta quinta-feira ao lançamento da segunda fase da campanha contra o pagamento das dívidas contraídas por três empresas com garantias do Estado sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais.
Segundo o diretor do CIP, Edson Cortês, o Governo continua a manter negociações no sentido de pagar as dívidas da EMATUM e da MAM, mas como Moçambique é um Estado quase falido, tudo o que os credores querem é renegociar tendo como base o gás que poderá vir a dar dividendos ao país daqui a 10 anos. "Não toquem no nosso gás. Não podemos pagar dívida de meliantes com a riqueza de todos nós".
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.