O FBI e o Departamento de Justiça norte-americano investigam bancos envolvidos nas dívidas ocultas moçambicanas. Mas, como entidade soberana, o Governo de Moçambique não é obrigado a cooperar; diz economista.
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De acordo com informações do Wall Street Journal, o FBI e o Departamento de Justiça norte-americano estão a investigar três bancos envolvidos nas dívidas ocultas moçambicanas: o Credit Suiss, VTB e BNP. Mas a auditoria independente da Kroll a estas dívidas carece de informações relevantes para se esclarecer alguns pontos importantes. É que as autoridades moçambicanas recusaram-se a disponibilizar algumas informações.
A investigação norte-americana já decorre há cerca de um ano. Que interpretações se podem fazer desta iniciativa? Para responder, a DW África entrevistou o economista moçambicano Tomás Tibana:
DW África: Qual o significado dessa investigação?
Tomás Tibana: Neste momento, ela tem um significado particular. Sobretudo, porque nós sabemos que ainda há lacunas que precisam ser fechadas na auditoria efetuada com a Kroll. Essas lacunas resultam da obstrução que foi feita à essa auditoria pelas autoridades moçambicanas.
DW África: Pode-se subentender que as partes que se recusaram fornecer as informações importantes poderão ser, desta vez, obrigadas a fazê-lo?
TT: Por um lado, as partes externas, sim, aqueles bancos. Pelas normas dos mercados onde eles operam, sim. Essas partes externas terão de fornecer informação na medida em que operem naqueles mercados - caso contrário, serão suspensos. Há sanções nesse sentido e, por isso, deverão cooperar com os reguladores. Por outro lado, a parte interna, a nossa, deverá ter problemas. Se essas entidades colaborarem com os reguladores desses mercados com a informação que omitiram aqui, significa que os indivíduos daqui serão expostos. Mas isso também depende do tempo que a investigação deverá levar para ser julgada, internamente, ou pelos tribunais lá. Em última instância, uma parte da verdade que possa ter sido ocultada pelos daqui - se de facto estiverem na posse desses bancos - será descoberta pelos reguladores, porque esses vão apresentar todas as peças.
DW África: Mas de que maneira Moçambique seria afetado?
TT: Os reguladores internacionais - externos, de outras jurisdições - não podem obrigar Moçambique. A não ser que, em certos aspetos, operadores em Moçambique tenham passado por lá e sejam obrigados a essas sanções. Por exemplo, bancos que possam ter feito transações com outros e sejam aproximados pelos reguladores para dar a sua parte na história. Sobretudo, tendo-se em conta que são bancos internacionais em Moçambique. Eles até podem ter problemas com os reguladores, já que operam nesses mercados. A história do Governo como a entidade soberana torna a alçada desses reguladores fora de questão.
Moçambique: O que pode acontecer após investigação da dívida pelo FBI nos EUA?
DW África: O fato de Moçambique estar envolvido numa situação pouco transparente com esses bancos não continuará a impedir, ou a dificultar, a atração dos investimentos estrangeiros de que tanto precisa?
TT: Moçambique tornou-se um "amigo" de estados como a Coreia do Norte, a China, em termos de comportamento e está cada vez mais aliados a esses. Neste momento, vemos que Moçambique não deverá abrir mão desse processo - e tem aliados para navegar mais alguns bons anos. Por exemplo, na conta geral do Estado moçambicano, dois mil milhões diz respeito à dívida com a China. Há muito dinheiro que está a entrar desse país asiático e que não se sabe. Portanto, deverão manter-se com ajuda daqueles Governos que tiram muito proveito dessa situação - e sem pestanejar, sem se preocupar com isso.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.