Desabamento de mina de rubis fez mais de 10 mortos, vários feridos e um número indeterminado de soterrados. É o resultado de infrações cometidas pelos garimpeiros ilegais, mas até onde a segurança foi seguida à risca?
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"Isso aconteceu antes de ontem, ontem e hoje. Lá morreu muita gente, quando a terra caiu em cima dos garimpeiros. O número de garimpeiros mortos da comunidade onde estou são 18 e 4 feridos. No total são 42 mortos e 25 retirados de baixo da terra e há outros que não vão conseguir tirar porque já estão tocados", conta Fernandinho Mueda, ex-garimpeiro da comunidade de Muaja, no distrito de Ancuabe, limite com o distrito de Montepuez, província nortenha de Cabo Delgado, onde o incidente ocorreu. Mas os números oficiais apontam para cerca de dez mortos, entre eles um guineense.
Entre as vítimas há crianças e mulheres. Mas de acordo com Mueda, "não houve esse apoio, desde que começou este caso não houve esse apoio a polícia está lá sentada. Estão limitadas pela população porque estão lá em massa, é muita população."
E o ex-garimpeiro revela ainda "que existe um estrangeiro, um branco, é que conseguiu falar com a população para que lhe ajudassem a tirar a população que está soterrada com uma máquina pesada. O branco trabalha aí mesmo [na área onde aconteceu o soterramento]".
Lacunas no sistema de segurana da MRM?
O começo do soterramento aconteceu na noite de terça-feira (04.02) quando cerca de 1500 garimpeiros exploravam ilegalmente rubis em áreas da Montepuez Ruby Mining (MRM). A empresa mineira confirmou à DW que tem um serviço de segurança a guarnecer a área, mas não deu mais detalhes por agora, prometendo fazê-lo em breve. Mas os garimpeiros da região deixam a entender que a tal segurança é ineficaz.
Segundo Mueda, "a população entrou por causa da polícia, ela é que os deixou entrar, antes não se entrava. Mas como entram mesmo na central onde há polícia e numa empresa one se tiram pedras? A segurança está parada, nem força, nem mandam, só estão a deixar as pessoas entrarem."
O que as autoridades prevêm em termos de segurança?
Convidado esclarecer sobre as medidas de segurança aplicadas na exploração mineira, o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME) diz que a legislação estabelece que o titular deve manter a sua área de concessão segura, mas não define os mecanismos, isso fica ao critério do operador.
Mas já é possível saber se houve alguma falha na segurança da área concecionada a Montepuez Ruby Mining? Obet Matine é inspetor geral do MIREME e responde:"Temos de saber os mecanismos que a empresa determinou para garantir a sua área segura. O que sabemos é que houve uma invasão a área por um número de garimpeiros acima de 1500 e que não é fácil manter uma situação dessas".
Como é feita a segurança na Montepuez Ruby Mining?
Contudo o inspetor avança alguns aspetos de segurança que terão sido acautelados pela MRM, explicando que "as diferentes cavas ao longo dos vários sítios julgou-se que eram áreas que a príncipio não previsavam de uma proteção especial e o que aconteceu é que são essas áreas que foram invadidas. Era uma área com cercania e com indicação de que é uma área vedada, é uma área perigosa."
Pobreza na origem do problema?
O garimpeiro Júlio Ismael também da comunidade de Muaja, reconhece que se trata de uma violação, mas tem um argumento: "Trabalhamos aí à procura de alguma coisa para comer. Por exemplo, aqui, em qualquer lugar que se está a trabalhar em termos de mineração é proibido, expulsam-nos. Então, com essa situação de fome e pobreza que vivemos estamos a entrar lá para conseguir algo para comer. Chegar ali é problema grande."
Governo em operações
Um apuramento das responsabilidades neste caso não será para já, mas já há ações nessa direção, garante o Marizane Rosse, diretor províncial dos Recursos Minerais e Energia em Cabo Delgado: "Nós estamos a trabalhar no assunto, não posso falar porque o Governo provincial está a organizar uma operação, estamos a recolher mais informações".
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.