Moçambique é um dos principais corredores do tráfico de heroína do Afeganistão para a Europa, que está a aumentar, segundo estudo. Dados não são novos, mas preocupam, diz jornalista. Polícia já está a tomar medidas.
Publicidade
A dificuldade em fazer passar a droga pela Ásia central e Europa de Leste tem feito crescer o tráfico pela chamada "rota austral", revela o estudo "A Costa da Heroína", financiado pela União Europeia (UE). E Moçambique parece ser um elo fundamental numa complexa cadeia que começa no Afeganistão e passa pela África austral e oriental para chegar à Europa.
O comércio no país terá subido para 40 toneladas ou mais por ano, de acordo com o relatório elaborado pelo projeto ENACT, que pretende melhorar a resposta de África ao crime organizado transnacional e é implementado pelo Instituto de Estudos de Segurança e pela Interpol.
Apesar de não conhecer os pormenores do documento, o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM), Inácio Dina, diz que é preciso ter em conta a localização do país e a sua extensa costa, que o tornam um ponto de passagem incontornável. Mas assegura que as autoridades estão a tomar medidas para proteger a linha fronteiriça.
"Temos provas evidentes de apreensões diárias nos aeroportos, nos portos, em alguns pontos que são linhas de entrada na fronteira terrestre", refere Inácio Dina. "Há também dados evidentes de um combate cerrado a qualquer pretensão de práticas corruptivas dentro da corporação policial. Há evidências claras que atos de combate à corrupção estão em curso."
Shisha: passatempo inofensivo ou droga perigosa?
01:16
Dados "preocupantes" para Moçambique
O jornalista Francisco Carmona não ficou surpreendido com o estudo, mas diz que os dados, apesar de não serem novos, não deixam de ser preocupantes, sobretudo para a já fragilizada imagem de Moçambique.
"Vários relatórios sobre tráfico de droga citam Moçambique como um corredor preferencial para a passagem de droga para a Europa vinda da Ásia para Moçambique, depois para África do Sul e daí para a Europa. O país continua na geografia dos países preferidos como corredor de droga e isso é preocupante para a imagem do próprio país, que também já estava muito mal na fotografia por causa das chamadas dívidas ocultas", explica.
O estudo fala também em "práticas institucionalizadas" para ocultar apreensões de drogas pesadas e procedimentos para determinados contentores escaparem a inspeções.
Polícia diz-se "preparada"
Perante este cenário, estará a polícia moçambicana preparada para lidar com um problema desta dimensão? "A polícia está preparada", assegura o porta-voz da PRM. Além de ter departamentos especializados que se dedicam à proteção das linhas fronteiriças, "a Polícia da República de Moçambique também faz parte de um conjunto de polícias da África Austral e é membro de várias entidades polícias regionais e internacionais com competência para discutir e definir medidas para a área do combate à droga", especifica.
Moçambique como corredor de droga prejudica imagem do país
This browser does not support the audio element.
Segundo o porta-voz da PRM, tem havido "avanços bastantes significativos", sobretudo nos pontos de entrada, nas fronteiras terrestres, e também nos aeroportos, "onde a tecnologia é bastante visível para evitar qualquer tentativa de ludibriar as autoridades. E também há agentes formados para detetar qualquer ilícito de ocultação de droga."
Segundo o estudo, os traficantes consolidaram-se no mercado e têm ligações de longa data com "elementos ligados à elite política". No entanto, desde que Filipe Nyusi é Presidente, alguns traficantes perderam influência e poderá haver uma reconfiguração do negócio.
Francisco Carmona, chefe de redação do semanário moçambicano Savana, considera que "é normal essa mudança", até porque o negócio da droga obedece a essa lógica, "para confundir as investigações".
"Relatórios antigos também referem essas mudanças e também ligações com algumas figuras. Na verdade nunca apareceram nomes em concreto, mas diz-se que têm ligações e são protegidos por algumas figuras ligadas ao partido governamental (FRELIMO)", afirma o jornalista.
Novos grupos no norte
Os ataques no norte de Moçambique também são referidos no documento. Em Cabo Delgado, por exemplo, um grupo armado que tem atacado locais remotos estará a tentar entrar no tráfico de droga.
O relatório menciona ainda "o surgimento de novos grupos estrangeiros, mais pequenos, controlados à distância", que podem ser o resultado da luta contra traficantes na Tanzânia e das apreensões ao largo da costa do Quénia.
Para Francisco Carmona, tudo indica que este cenário ainda vai piorar nos próximos tempos."Quase todos os dias temos notícias de problemas lá no norte e ainda não vimos uma ação muito forte e rigorosa do Estado para parar essas situações", refere.
O jornalista defende que Moçambique deve "recorrer aos protocolos que assinou com outros países com alguma experiência para lidar com esta situação, investigar mais e procurar levar os responsáveis à barra do tribunal."
Portugal destaca-se no combate à droga
País europeu conseguiu reduzir o consumo de estupefacientes e tem-se tornado uma referência sem declarar guerra contra as drogas, mas adotando medidas como a descriminalização e o envolvimento de grupos de ajuda.
Foto: DW/J. Carlos
De "berço da droga" para a mudança
Há cerca de 15 anos, o bairro do Intendente, em Lisboa, era uma espécie de "berço da droga", depois do desmantelamento do mal afamado Casal Ventoso, em Campolide. A requalificação das ruas e das praças parece ter dado mais garantia de segurança aos que circulam pelo bairro da freguesia de Arroios.
Foto: DW/J. Carlos
Praças renovadas e humanizadas
Quem circula pela Rua do Benformoso ou atravessa a Praça do Intendente, já não sente o clima tão tenso e de insegurança de outrora, em que o uso indiscriminado de droga ao ar livre partilhava espaço com a prostituição, predominantemente praticada por mulheres africanas. Este era um dos becos onde se acomodavam os toxicodependentes.
Foto: DW/J. Carlos
Arte no lugar da droga
Por iniciativa da autarquia local, a pequena Praça Benformoso, na freguesia de Santa Maria Maior, está mais alegre. A arte urbana vai ocupando alguns destes espaços, conferindo-lhes dignidade como lugar de lazer e de encontros. Com a requalificação, passou a designar-se "Bem Formosa Praça".
Foto: DW/J. Carlos
Luta ainda por vencer
Apesar de não ser uma luta vencida, Portugal é referenciado por ter conseguido reduzir o número de mortes por overdose, sendo um dos níveis mais baixos do mundo. O país é apontado como um exemplo também pelo facto de, ao mesmo tempo, baixar o número de toxicodependentes sem que este combate se transformasse numa guerra, a exemplo do que acontece noutras partes do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Realidade despercebida entre turistas
Alguns moradores e proprietários, entre comerciantes, aplaudem as obras feitas pela Câmara Municipal de Lisboa, bem como as medidas para controlar ou sanear o uso de droga a céu aberto. Apesar de mais segurança e de mais policiamento, o problema ainda persiste, embora de forma menos intensa e visível. De certo modo, a realidade passa despercebida entre os turistas.
Foto: DW/J. Carlos
Assistência médica imediata
No entanto, na Rua dos Anjos, que confina com o Largo do Intendente, ainda são visíveis vestígios da toxicodependência. A DW viu uma cidadã a preparar uma dose de produto para se injetar. Mais ao fundo da rua, uma ambulância prestava assistência a uma das vítimas de overdose, prontamente socorrida pelos serviços de emergência médica.
Foto: DW/J. Carlos
Casal Ventoso reconvertido
Muitos consumidores de droga no Intendente eram originários do antigo Casal Ventoso, onde também subsistem casos de consumo, mas mais controlados pelas instituições competentes. Considerado um dos bairros mais problemáticos de Lisboa, o reconvertido Casal Ventoso ainda é hoje alvo de intervenções sistemáticas visando reduzir o estigma e o impacto do consumo de droga nos grupos de risco.
Foto: CRESCER
Intervenção comunitária
A CRESCER, associação não-governamental de intervenção comunitária, não tem mãos a medir. Abraça várias valências no que toca à assistência social. Todas as semanas, as respetivas equipas, constituídas por jovens voluntários, estão no terreno para prestar assistência aos casos mais graves. Apoiam pessoas que usam substâncias legais e ilegais ou que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Foto: CRESCER
Criar novas respostas
Apesar dos esforços, que ajudaram a regredir o recurso a substâncias psico-ativas e fazer face à disseminação do HIV/SIDA, "nos últimos anos não se tem criado novas respostas para a problemática da droga", conta o diretor executivo da CRESCER. Américo Nave defende a criação de salas de consumo assistido, como está previsto na lei de 2001, para evitar o consumo a céu aberto.
Foto: DW/J. Carlos
Visibilidade internacional
Desde 2000, as políticas e medidas na área do combate à droga ganharam uma enorme visibilidade no plano internacional. A decisão de descriminalizar o consumo de droga para tratar os toxicodependentes despertou o interesse do Papa Francisco. Tem particular importância o surgimento do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).
Foto: DW/J. Carlos
Impacto da descriminalização
"As pessoas praticavam furtos para sustentar a sua dependência", afirma João Goulão, diretor geral do SICAD, que destaca o impacto que teve a lei sobre a descriminalização do consumo. Além do drama do HIV/SIDA, Portugal tinha cerca de 100 mil utilizadores problemáticos de cocaína, o equivalente a 1% da população portuguesa.
Foto: DW/J. Carlos
Observatório adverte
Contrariando o otimismo das autoridades, o último relatório do Observatório Europeu sobre a Droga e a Toxicodependêcia (OEDT), com sede em Lisboa, diz que Portugal não merece referência especial pelos resultados alcançados, mas adverte que voltou a aumentar o número de mortes por overdose. De acordo com o relatório, diminuiu o número de infetados por HIV/SIDA.