O maior partido da oposição diz que a resolução do impasse sobre a sua desmilitarização depende do empenho da FRELIMO, no poder. Mas como decorreria este processo? Albino Forquilha, especialista em desarmamento, explica.
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Em finais de junho, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder) adiou a discussão do pacote sobre a descentralização no Parlamento devido à falta de progressos no diálogo sobre a desmilitarização da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO).
Este é dos pontos mais críticos nas negociações de paz entre as duas partes. O maior partido da oposição diz que "a bola" está do lado da FRELIMO, que a seu ver deveria cumprir os termos de referência acordados entre o Presidente Filipe Nyusi e o falecido líder da RENAMO, Afonso Dhlakama.
Moçambique: Como desmilitarizar a RENAMO?
Mas, tecnicamente, quais seriam os procedimentos previstos ou esperados neste processo?
O primeiro passo seria "acantonar" militares residuais da RENAMO já identificados, que até "já estão acantonados", explica Albino Forquilha, diretor-executivo da Força Moçambicana para Investigação de Crimes e Reinserção Social (FOMICRES), uma organização não-governamental que trabalha na área do desarmamento.
Além disso, segundo Forquilha, esses ex-combatentes "têm de ser desarmados e devem entregar as armas a quem de direito, neste caso ao Estado - este seria o segundo passo. O terceiro passo seria proceder com a desmobilização desses homens, passarem à vida civil, e este ponto está ligado ao quarto ponto, que é a orientação para a integração ou reintegração social destes homens".
Mas não só: "A RENAMO reclama que os seus homens têm de passar para alguns setores das Forças de Defesa e Segurança [FDS]. Penso que aí não há muitos problemas", acrescenta o analista.
Primeiro integração, depois desarmamento - ou ao contrário?
Acredita-se que as divergências entre as partes tenham a ver com a ordem cronológica da desmilitarização.
Supõe-se que a RENAMO queira começar o processo com a colocação dos seus homens em lugares estratégicos das FDS para minimizar possíveis perseguições por parte do Governo. Já a FRELIMO quereria começar com a entrega das armas por parte da RENAMO, seguida da desmobilização e, por fim, da integração dos homens deste partido.
Sobre esta questão, Manuel Bissopo, secretário-geral da RENAMO, diz em entrevista à DW África que "já existia um entendimento sobre o enquadramento nas Forças Armadas e os passos subsequentes".
"Como isso deveria ser feito em pormenores, se calhar não estou em condições de dizer. O que sei é que já havia consenso e que é a partir desse ponto que temos de ir para a frente e não começar-se a impor de novo. Acho que isso é um contra-senso", afirma Bissopo.
Uma questão de interesses
Os procedimentos técnicos não devem constituir novidade para as partes antagónicas. Mas a reviravolta no processo negocial e consequente impasse deixam adivinhar que outros interesses imperam no processo.
Publicamente, ainda não se sabe que passos estão a ser dados para se ultrapassar esse dilema. Manuel Bissopo garante, no entanto, que está tudo a postos para concluir o dossier - tudo dependerá agora do empenho do Governo da FRELIMO.
"Penso que a RENAMO fez sempre um esforço. Mesmo antes do falecimento do nosso presidente já havia alguns consensos sobre alguns pontos na Defesa e Segurança", diz o secretário-geral do partido.
"O que temos de fazer é dar seguimento às ideias, consensos e compromissos que o nosso presidente já tinha conseguido com o Presidente da República", continua Bissopo. "Empenhamo-nos agora é em fazer tudo por tudo para mantermos as tréguas, tal como o nosso presidente assumiu, sensibilizando os nossos membros, encorajando os nossos militares que a solução está para breve. Se isto tem de andar ou não depende do lado do Governo."
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.